quinta-feira, 30 de março de 2017

O silêncio das doulas

Uma doula ao atender um parto está o tempo todo fazendo escolhas. Como ajudar mais? Como atrapalhar menos? Na maioria das vezes a gente sente, está no ar, está no silêncio, nas expressões faciais, nos murmúrios e gestos. Não está nas palavras.

Optamos por apagar uma luz, por sugerir ou não uma posição, por massagear ou não durante uma contração. Estamos o tempo todo sentindo e avaliando, observando amorosamente como deixar a gestante mais confortável, ou diminuir alguma interferência. Um suor na testa para secar; um gole de água para ajudar a tomar; um sorriso, um gesto ou simplesmente cuidar do “resto” para a mulher poder ficar em paz em seu trabalho de parto, sem ter que atender outras demandas, responder perguntas, se preocupar.

Doula é apoio, é apoio quando aquela mulher, de pé, se depara com uma contração que toma todo o seu corpo, e estando de pé às vezes não consegue uma posição a tempo -- antes da contração a preencher por inteiro. A doula dá a si mesma, seu corpo de apoio, sua mão para manter o foco, seus ombros para segurar. “Aqui estou”, e a mulher pode se entregar à onda que a atravessa.

As vezes queremos ajudar, e na ânsia de incentivar atrapalhamos. O que dizemos marca, pode tirar o foco, gerar culpas. É um comentário mal colocado que remete a uma memória ruim, uma palavra mal usada que lembra sentimentos de fraqueza; ou o contrário. Palavras são carregadas! Também podem gerar presença, conforto. Incentivo alegre pode dar força, torcemos e rimos a cada contração mais dolorosa... ôoo dorzinha boa! “Era isso que queríamos não é mesmo”? E um sorriso lembra a mulher que sim, era aquilo mesmo que ela queria, sim que dor boa e bem vinda!

Com o tempo tenho aprendido a ser cada vez mais silenciosa. É tentador o risco de cairmos em clichês. Ocasionalmente podem até ajudar, mas muitas vezes só irritam e tiram a concentração. A doula precisa adivinhar, captar no ar, tentar acertar (e nem sempre acertamos). É fácil transformar um atendimento a um parto em uma torcida de “força você consegue” “é uma contração a menos” “chama seu bebê” “se entrega”. 

Difícil é calar, é permitir dar vazão pra tudo aquilo fluir sem interferência -- não apenas das intervenções do médico, mas até mesmo das interferências de “vamos fazer isso” “vamos fazer aquilo”. Perguntam-me se faço acupuntura durante um trabalho de parto: raramente. Uma mulher parindo não precisa de tratamentos, ela só precisa ser deixada parir.

Trabalho de parto é muito delicado. Podemos dizer palavras de incentivo, podemos ser leves e tirar algumas risadas e ajudar a descontrair o ambiente, podemos ser firmes na hora que bate aquele medo. Mas muitas vezes somos silêncio que abraça. E ao não fazer nada, permitimos que a mulher possa ser tudo, pois o parto não é sobre nós, é sobre elas, é sobre aquele bebê, aquela família. É muito mais sobre saber ouvir do que sobre saber falar...

Somos, as doulas, vela acessa na escuridão. Não somos sol. Sol é a mulher parindo, ela só precisa descobrir-se sol. A doula é vela, tímida, ilumina mas não aponta o caminho igual lanterna, não fala “é por aqui”, apenas sugestiona, dá a mão, pergunta “quer ir junto?”. A doula é vento que sopra as nuvens pro sol brilhar. E como brilha! E Raia o dia, chega a luz, vem o bebê iluminar. E a doula se recolhe, e continua apoiando.

Um comentário:

  1. Texto belíssimo. Toda minha admiração e respeito por essa profissão tão desafiadora.

    Abraços sororais,

    Giovana, Brasília

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