quarta-feira, 3 de maio de 2017

"Mamãe, eu gosto muito de dormir"

Sobre choros e relaxamento

“Eu gosto muito de dormir” - Foi o que a pequena de 2 anos e 10 meses me disse hoje ao deitar. À parte a privação de sono comum a todas as mães, e os sonos picados nos picos de crescimento, nos dentes, nas doencinhas, nas mamadas a cada 2 horas… tirando tudo isso, sono aqui nunca foi um problema.

Tá certo que eu só voltei a dormir a noite toda (leia 6 horas seguidas) depois que ela tinha 2 anos e 3 meses, mas o ano que a isso precedeu foi de apenas 1 ou 2 acordadas por noite, geralmente 1, para mamar.

Ela gosta de dormir, ela aprendeu que dormir é bom. Não foi nenhuma fórmula, mas meu coração suspira aliviado. Ela nunca foi abandonada chorando, nunca dormiu por exaustão emocional. Nunca pegou no sono depois de ter desistido de clamar por ajuda, sentindo que o mundo é um lugar escuro e solitário onde não vale a pena viver, onde nem a mãe atende. Largar um bebê chorando até dormir sozinho é uma das coisas mais cruéis que considero que podemos fazer com um ser humano, ainda mais um bebê! Isso não é um “método” (só se for de tortura).

Dormir tem relação com se entregar ao sono, com relaxar e sentir cada parte do seu corpo pesada e entregue à maciez do colchão. Dormir é sentir o calorzinho das cobertas ou o toque suave da mãe ou do pai, é se sentir amado e acolhido, feliz em descansar para recomeçar um novo dia.

Frequentemente no consultório de acupuntura me deparo com pessoas que têm dificuldade em dormir. Se recusam a relaxar, não conseguem desligar a cabeça que roda como um disco riscado cheio de pensamentos que não se resolvem. Encontro pessoas que tem medo da noite, do silêncio que ela traz, que precisam dormir com  a televisão ligada, ou manterem-se acordadas até a completa exaustão, para então “apagarem” de sono. Dormir não é isso. Não sei como foram os primeiros meses de vida, os primeiros anos dessas pessoas. Se se sentiram acolhidas e amadas, se aprenderam a relaxar sozinhas. Muitas dependem de remédios alopáticos para desligarem, ou lutam horas no colchão contra um relaxamento que não vem. O mundo girando em torno dos pensamentos, das preocupações, da sensação de que o corpo é um incômodo a ser lidado apenas. Não querem desligar em silêncio para não arriscar ouvir o barulho que sai de dentro delas, a inquietação, o sofrimento. Não gostam de dormir, será que tiveram alguma chance de aprender a gostar quando eram bebês? Ou será que relacionam essa hora da noite a sentimentos ruins, ao choro do abandono?

Minha filha gosta de dormir, e eu sorrio! Ela gosta de se aconchegar na cama e pede para eu cobrir os três (sim, três!) bichinhos de pelúcia que dividem a cama com ela. Ela me beija e me deseja boa noite e pede que eu deite ao lado dela (o que é possível graças ao colchão de solteiro que usamos no chão, estilo quarto montessori). Ela pede contato, às vezes basta eu largar o peso do meu braço no flanco dela, ou minha mão encostar em seu braço. Outras vezes ela pede carinho, e eu faço nas costas dela com alegria, lembrando do carinho que minha mãe me dava. Antes de adormecer ela dá boa noite para cada um dos três bichinhos, e finaliza com “boa noite mamãe, dorme bem, eu amo muito você”. Toda noite sou preenchida pelo amor dela, e isso vale todas as noites que acordei para acalentá-la e amamentar.

Essa noite ela me contou um pouco mais: “Mamãe, eu gosto muito de dormir, mas às vezes, só às vezes, eu não quero dormir, e eu choro. É porque eu gosto de brincar, e não queria ter que dormir, mas aí eu fico muito cansada. Mamãe, às vezes eu durmo, e eu acordo, e eu durmo de novo, é bom dormir.” Nada como um relato espontâneo para termos um vislumbre do que se passa no universo de uma criança.

Dorme bem minha querida, dorme a noite toda, e me recebe amanhã com um enorme sorriso, e que você nunca desaprenda a relaxar nesse mundo tão cheio cobranças.

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