quinta-feira, 17 de outubro de 2013

São as mulheres que pedem cesariana... São mesmo? E por que será?

Esse post foi escrito pela obstetra Carla Polido e postado originalmente no blog da Dra. Melania Amorin (que vale muito a pena ser lido!) http://estudamelania.blogspot.com.br/2013/08/guest-post-por-carla-andreucci-polido.html

Acho o texto dela extremamente importante pois constantemente ouvimos que são as mulheres que querem a cesárea. Me questiono o quanto desse querer não é uma "indução" conduzida pelo próprio médico que durante o prenatal começa a minar a confiança da mulher e aterroriza-la com problemas (e mitos). Culturalmente o parto normal é visto como algo horrível, e as mulheres são bombardeadas com histórias de horror. Sabemos que os riscos de morte em uma cesárea (tanto para a mãe quanto para o bebê) são 3x maiores do que num parto normal bem conduzido, mas a mídia não notícia essas histórias...

Como pode haver escolha se não há acesso a informação de qualidade? Se essa escolha é feita as escuras, se somos induzidas a escolher (engandas)? E como pode haver escolha quando só nos é apresentada duas opções: ser respeitada durante uma cirurgia ou ser maltratada, violentada, invadida, machucada e abandonada em um parto normal violento e desrespeitoso? Isso não é escolha!!
Precisamos fugir desse modelo violento e mostrar uma terceira opção, um parto acolhedor, amoroso, com base em evidências científicas, que pode ser um momento lindo e transformador na vida daquela família. Deixo as reflexões da Carla Polido, mais claras impossíveis!

Mulheres do SUS e o desejo pela cesariana




Ontem, 05/08/2013, aconteceu o debate sobre a estreia do filme "O Renascimento do Parto", promovido pela Folha de São Paulo. Em sessão gratuita, o diretor/produtor Eduardo Chauvet e a roteirista/produtora/doula/ativista do parto Érica de Paula convidaram a neonatologista Ana Paula Caldas Machado e a mim, para falar sobre as primeiras impressões do público sobre o documentário.

Uma audiência para minha surpresa mista, com público que incluiu pessoas estranhas ao movimento de humanização no Brasil, assistiu emocionada aos 90 minutos de exibição. Choros, risos, lágrimas, revolta e esperança, todos os elementos estavam misturados na sala escura e lotada. A procura pelos ingressos foi tão grande, que uma segunda sessão foi disponibilizada simultaneamente.

Ao final, quando as luzes se acenderam, um silêncio emocionado tomou conta da sala, logo após aplausos demorados. E pouco a pouco, o público foi voltando à realidade, e o debate começou.

Soluções para a questão do modelo de assistência vigente foram levantadas. Políticas públicas foram debatidas. Depoimentos emocionados sobre o assunto foram ouvidos.

E um obstetra da plateia levantou seus questionamentos. Muito lindos os partos mostrados. Tudo muito tocante. Mas as mulheres da saúde pública querem cesariana. Elas acham "chique" fazer cesariana com hora marcada. Ele mesmo já perdeu muitas "pacientes" porque não concordou em agendar cesariana.

Minha resposta foi ressaltar o óbvio e ululante: que mulher que não preferiria uma cesariana, diante da atrocidade que é a assistência padrão ao parto no Brasil?
Explico: Você preferiria agendar sua cesariana com o médico que acompanhou toda sua gestação, de acordo com as agendas de ambos, em horário comercial, em sua maternidade de preferência, ou você escolheria:

1) Entrar em trabalho de parto sem nenhuma informação acerca do que é esse processo e ter de procurar maternidades sem garantias de vagas para internação se você estiver em trabalho de parto.
2) Ser recebida por alguém da equipe de enfermagem/médico do hospital, receber um toque vaginal em posição ginecológica, e conhecer o plantonista que provavelmente atenderá seu parto naquele momento.
3) Ser internada em fase latente, não sem antes receber tricotomia (raspagem de pelos pubianos), talvez uma lavagem intestinal e um soro com ocitocina. Ser separada de seu acompanhante de escolha e/ou de sua doula (se você já tiver uma).
4) Ficar horas e horas sozinha num pré-parto, sem informações coerentes sobre a evolução de seu parto, deitada numa cama de hospital com mobilidade restrita, em jejum. Receber toques vaginais a cada hora, sem explicações.
5) Não ter acesso a nenhum método para controle de sua dor, como massagem, banho de chuveiro, apoio contínuo, banho de imersão, livre deambulação.
6) Não ter a frequência cardíaca de seu bebê avaliada a cada meia hora, como preconizado pela OMS e melhores evidências.
7) Receber a comunicação de que "já está na hora de empurrar a criança", e ser levada para o centro cirúrgico sem sentir puxos, simplesmente porque sua dilatação está completa. O centro cirúrgico é iluminado, frio, e cheio de pessoas que você nunca viu na vida, mas você é colocada numa maca ginecológica, deitada de costas, e suas pernas são abertas e apoiadas em estribos metálicos.
8) Mandam que você empurre seu filho sem parar para respirar, puxando o ferro do estribo, gritando comandos verbais. Alguém "ajuda" você subindo em seu abdomem e empurrando seu útero com o cotovelo ou com ambas as mãos.
9) Seu períneo é cortado para "facilitar" o parto.
10) Seu filho é levado para longe de você assim que nasce, após clampeamento imediato de cordão umbilical, e é submetido a inúmeros procedimentos obsoletos e dolorosos.

Mulheres não desejam cesarianas, obstetras do Brasil.
Mulheres desejam assistência qualificada ao parto.
Não podemos desejar que uma mulher queira parir, se a assistência que oferecemos é desatualizada, baseada em rituais que repetimos sem reflexão e sem embasamento científico.

Educação em saúde e mudança do modelo de assistência  poderão mudar nosso cenário de nascimento.
É disso que trata o filme.

Reflexões para um futuro melhor para novas gerações.
Não deixem de assistir ao filme. E não deixem de refletir.

Na foto, minha grande amiga, a neonatologista Ana Paula Caldas, que renasceu como mulher e profissional durante  o parto domiciliar de sua segunda filha, Lis.
Na foto, minha grande amiga, a neonatologista Ana Paula Caldas, que renasceu como mulher e profissional durante o parto domiciliar de sua segunda filha, Lis.

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