quinta-feira, 28 de março de 2013

Medicina Baseada em Evidência Científica!!

      Tenho visto muitos profissionais da saúde usarem  a "carteirada" como argumento para perpetuarem más práticas médicas. "Sou médico a 30 anos e sempre fiz isso, não é agora que vou fazer o contrário", diz um... "A 10 anos faço tal procedimento, eu sei o que estou fazendo, quem é você para questionar isso".
     O pior (e mais vergonhoso ainda) é quando vemos estudantes de medicina contradizerem evidências científicas por que seus professores não ensinaram de tal forma. Estudantes de medicina dando "carteirada" ("estudo medicina e quem é você, leiga, pra achar que sabe alguma coisa")  em obstetras experientes e conceituados, como as PhDs Dra. Melania Amorin (obstetra) e Dra. Simone Grilo Diniz (obstetra) e obstetrizes extremamente experientes e atualizadas como Ana Cristina Duarte. Sim, tem estudante de medicina mandando essas pessoas "irem estudar", irem ler o "Rezende" (um livro de obstetrícia super desatualizado da década de 70) ou lerem no PubMed (como se tivessem descoberto o Brasil e o PubMed só tivesse artigos de altíssima qualidade - tem bons e ruins). E claro, as "carteiradas" se estendem aos profissionais não médicos, leigos, mulheres empoderadas etc.. ignorando que qualquer pessoa inteligente capaz de ler um artigo científico e compreender o uso da estatística é capaz de questionar prática arcaicas e congeladas com inteligência!
     Quando, como doula, eu afirmo que procuro seguir a medicina baseada em evidência, e questiono junto às gestantes que estou acompanhando a conduta de certos médicos, estou me referindo às revisões sistemáticas da Biblioteca Cochrane e às recomendações da Organização Mundial de Saúde. Pouco me importa se o médico fofinho e querido disse que vai fazer episiotomia (corte na vagina durante o parto) em você pra proteger o seu períneo, ou se ele disse que não se aguarda  o parto depois de 40 semanas pois é "perigoso" (e outras tantas recomendações absurdas que ouvimos por aí). Eu vou, cara gestante, sempre te incentivar a questionar quando a evidência apontada por estudos científicos é outra!
     Infelizmente nossas faculdades brasileiras seguem desatualizadas, e a grande maioria dos alunos saem de lá como macacos de imitação. Fazem episiotomia (ou qualquer outra intervenção inadequada no parto) por que aprenderam a fazer assim com seus professores, e estes com os seus, e assim por diante! Protocolos decorados e padrões rígidos não questionados, e a qualidade da assistência obstétrica no Brasil segue sua lamentável trajetória!
     Quando uma gestante chega me dizendo "Mas o meu médico disse que..." eu replico "questione!!" Chega de basearmos tudo que fazemos em uma obediência cega de "o meu médico disse que.." e chega de médicos desatualizados que seguem desrespeitando o protagonismo feminino no parto, seguem praticando violência obstétrica travestida de "eu sempre fiz assim e assim que é o certo". Queremos ser atendidas por profissionais atualizados, humanizados, questionadores, antenados com as evidências! E esses profissionais existem! Existem médicos/médicas obstetras humanizados, atualizados! Você não está presa ao seu médico de sempre só porque "ele disse que...", lute pelo seu parto, procure outras opiniões, certifique-se!
     Transcrevo abaixo um explicativo capítulo do livro "Parto Normal ou Cesárea" pra que todos/as possam entender melhor o que queremos dizer com medicina baseada em evidências! Se seu médico não sabe o que é MBE, e está desatualizado em relação as recomendações da OMS, então cara Gestante, corra dele!! Pois com esse aí você não vai parir!



A medicina baseada em evidências
(paginas 10 a 16 do livro "Parto Normal ou Cesárea" de Ana Cristina Duarte e Simone Diniz, editora UNESP)

        Para a maioria de nós, mesmo os profissionais de saúde, o assunto provoca grande susto. Todos aprendemos as nossas práticas profissionais com base na melhor ciência, e as exercemos seguros de seus benefícios.
A medicina Baseada em Evidências (MBE) é um movimento internacional criado na segunda metade da década de 1980 e em poucos anos se estendeu ao mundo inteiro. Nasce do reconhecimento de que boa parte da prática médica não é respaldada por estudos de qualidade sobre a segurança e eficácia dos procedimentos utilizados, quer sejam os medicamentos, os exames, as cirurgias, entre outros. Constatou se que, dependendo da região geográfica onde alguém morasse, a prática médica "correta" poderia ser completante diferente (Enkin, 1996). Por exemplo, em alguns lugares o "certo" era sempre usar fórceps no primeiro parto (ainda é assim em muitos lugares do Brasil), enquanto, em outros países, só se encontravam registros de tal procedimento em museus. 
Verificou-se que a medicina se baseia em muitos tipos de pesquisa tendenciosos (Chamados de viés pelos cientistas) que às vezes favorecem práticas inúteis, arriscadas ou danosas. Com isso, foi organizada uma iniciativa internacional para sistematizar o conhecimento científico "menos tendencioso" a respeito de cada procedimento médico, por especialidade.

Essa iniciativa foi denominada Colaboração Cochrane, em homenagem ao médico britânico Archie Cochrane. Formaram-se dezenas de grupos de pesquisadores e profissionais para avaliar a qualidade das pesquisas em suas áreas, dando prioridade às pesquisas que apresentavam menos vieses, os chamados ensaios clínicos randomizados (Jadad, 1998).
Randomizado significa que as pessoas participantes do estudo são sorteadas para receber ou não o recurso médico (medicamente, exame, cirurgia etc.), o que torna mais fácil verificar se ele é de fato seguro e eficaz. Muitos estudos não-randomizados mostram que é um recurso benéfico apenas porque os pacientes envolvidos na análises estavam, entre outras razões, em condições mais favoráveis de saúde, ou eram mais bem atendidos, ou se cuidavam melhor, e não pelo recurso em si. Quando os pacientes são sorteados pode-se diminuir esse viés. Isso não quer dizer que os pesquisadores eram ou são desonestos  apenas que, em geral, quando pesquisamos, enxergamos mais aquilo que esperamos, o que acreditamos, o que queremos ver.
Quando se lida com muitos ensaios clínicos, em que há um numero muito pequeno de participantes, existe o risco de que o resultado se deva ao acaso (outro tipo de viés) e não ao procedimento estudado. Isso, às vezes, leva a resultados contraditórios sobre a eficácia ou a segurança de um procedimento. Nesses casos, pode-se fazer uma revisão sistemática das diversas análises e realizar um "tratamento estatístico" de seu conjunto, chamado metanálise. Assim, define-se melhor se aquele procedimento é de fato seguro e eficiente, reunindo grande número de pacientes e reduzindo o viés do acaso.
Hoje em dia, em vez de pesquisar em centenas de artigos sobre um recurso médico, é mais adequado começar lendo a revisão sistemática, que sintetiza o conjunto de estudos. 
Mesmo a definição das prioridades - o que escolhemos pesquisar, a pergunta que nos fazemos, e onde investir os recursos de pesquisa - é um tipo de viés. Por exemplo, durante a segunda metade do século XX, em boa parte do mundo ocidental se realizou a EPISIOTOMIA (corte da vulva e da vagina no momento do parto) em praticamente todas as mulheres, pois se acreditava que era benéfíco para mães e bebês. Hoje, sabemos que nunca houve evidência sólida para recomendar tal prática como rotina. Na realidade, a evidência encontrada foi muito desfavorável. Quando os pesquisadores fizeram uma revisão sistemática sobre SE deveriam fazer episiotomia, constataram que os estudos eram centrados sobre o melhor local do corte, o momento de cortar, se o instrumento adequado era o bisturi ou a tesoura, o tipo de fio de sutura, o analgésico mais indicado para a dor que provocava, como combater ou prevenir as infecções da ferida etc. Uma vez que os pesquisadores tinham certeza de que sempre deveriam fazer episiotomia, as pesquisas não colocaram em dúvida a eficácia ou segurança do procedimento (Enkin, 2000). Enquanto isso, centenas de milhões de mulheres tiveram suas vulvas e vaginas cortadas e costuradas no momento da dar à luz, na grande maioria das vezes sem necessidade.
Na área de assistência ao parto, comprovou-se, já na década de 1980, que "a distância entre a prática e as evidências era alarmante". Apesar disso, o ritmo de mudança nas práticas tem sido muito lento, e estima-se que atualmente na América Latina apenas 15% dos procedimentos utilizados sejam baseados em evidências sólidas (CLAP, 2003).
O Grupo da Colaboração Cochrane de Gravidez e Parto foi um dos que primeiro se organizaram e desenvolveram pesquisas acerca do tema, tendo se tornado referência para os demais. Em 1989, o grupo publicou exaustiva revisão dos procedimentos, e, em 1993, um de seus resultados mais importantes foi a publicação da revisão sistemática de cerca de 40.000 estudos sobre 275 práticas de assistência perinatal, classificados quanto à efetividade e à segurança.
Este trabalho de uma década contou com o esforço de mais de 400 pesquisadores (incluindo obstetras, pediatras, enfermeiras, estatísticos, epidemiologistas, cientistas sociais, parteiras e até mesmo mulheres usuárias), que realizaram uma revisão completa de todos os estudos publicados sobre o tema desde 1950, cujo resultado inteiro está a disponível em publicações eletrônicas a partir da segunda metade da década de 1990. Periodicamente é atualizado no site da Colaboração Cochrane.
Em termos de importância, as revisões sistemáticas e metanálises publicadas pela Biblioteca Cochrane são a melhor fonte para evidências. A opinião de 1 médico isoladamente, o relato de 1 caso etc, tem menos valor científico.


Uma síntese desse trabalho foi publicada primeiramente pela Orgnização Mundial da Saúde (OMS) em 1996, e desde aquele momento conhecida como as "recomendações da OMS" (a lista encontra-se aqui http://alaya77.blogspot.com.br/2012/02/recomendacoes-da-oms-organizacao.html). Uma coletânea bastante completa dessas revisões, em uma versão popular dirigida a profissionais e usuárias, foi organizada pelo pesquisador canadense Murray Enkin e colaboradores. O "Livro do Enkin" tornou-se grande referência para os defensores de um PARTO BASEADO NA EVIDÊNCIA.

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Espero que o trecho desse ótimo livro ajude a demonstrar porque devemos questionar certos protocolos e afirmações (mesmo quando vindas do médico). Um médico atualizado e seguro do que está fazendo não terá problemas em explicar o procedimento e justificar suas indicações. Mas médicos desatualizados podem se esconder atrás de sua figura de autoridade e submeter mulheres a intervenções que elas não precisam. Seja ativa em seu processo gestacional! Estude, questione! E procure um profissional (obstetra, obstetriz, enfermeira obstetra) que seja realmente de confiança! São poucos mas existem!


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