sexta-feira, 21 de setembro de 2018

O que são as tais evidências científicas? (ou "fiz assim e meu filho não morreu")

O que são as tais evidências científicas?
Guest Post por Fernanda Rezende da Silva
(meus agradecimentos pelo texto maravilhoso!)
  O que são as tais evidências científicas? Porque temos tanta resistência em aceitá-las? Você já deve ter ouvido falar em pesquisas científicas de todo tipo: uma pesquisa diz que comer ovo faz mal à saúde, aí tempos depois vem outra e faz o ovo vilão virar mocinho... Existem pesquisas de todos os tipos e para todos os gostos, então vamos focar no que interessa aqui: as pesquisas relacionadas a bebês, crianças, criação de filhos. Um exemplo: na época em que eu nasci a orientação era colocar os bebês para dormirem de bruços, hoje sabe-se que isso é perigoso e a orientação é que os bebês durmam de barriga para cima. O que mudou de lá para cá? Porque a minha geração sobreviveu ao "dormir de bruços" e não posso fazer o mesmo com meus filhos? Vamos ampliar um pouco o horizonte para entender isso. Eu, os meus primos e irmãos sobrevivemos, mas a filha da vizinha não, nem o filho da sua comadre e o bebê daquele seu amigo. Agora imagine se você pudesse analisar os dados de milhares de bebês nascidos na mesma época, até mesmo em países diferentes, e daí você descobre que 80% das mortes aconteceram enquanto os bebês dormiam de bruços. Isso é um tipo de pesquisa científica: a análise de dados com o objetivo de descobrir um ponto em comum, a causa de um problema.


A pesquisa tem um resultado, uma evidência, mas, preste atenção: em nenhum momento se faz afirmações do tipo "se fizer isso VAI acontecer aquilo" - as pesquisas apontam riscos e tendências, por isso acho graça quando vejo algumas mães comentando coisas do tipo "essas pesquisas 'não têm nada a ver', eu fiz diferente e deu certo". Ah, então vamos à outro exemplo: "se a mulher fumar na gravidez corre o RISCO de ter um bebê com problemas respiratórios": várias pesquisas comprovam esse RISCO. Aí a sua vizinha fumou e teve um "bebê bom", então por causa disso, desse caso específico, você vai fumar também? 

Será que faz sentido você considerar um ou poucos casos de sucesso contra outros milhares casos de problema comprovados? Nossa intenção aqui é fazer as pessoas, especialmente mães e pais, olharem para fora do quadrado, fora do seu mundinho. Sei que existe uma forte tendência de se criar os filhos da mesma forma que pessoas próximas, afinal é a referência palpável que temos, mas você já parou para pensar que fazer tudo igual nem sempre é o melhor? E o que isso tem a ver com evidências científicas? Muitas delas chegam a conclusões que batem de frente com a nossa cultura e costumes, por isso existe muita resistência em aceitá-las: é comum as pessoas até duvidarem da veracidade das pesquisas porque, afinal de contas, não aconteceu nenhum caso perto de nós, né. Sobre as evidências científicas que desafiam nossos costumes, cabe citar o exemplo da dupla chupeta e mamadeira, as vilãs da amamentação.
As evidências científicas comprovam que elas atrapalham a amamentação, mas muita mãe ainda não acredita, talvez por não ter visto um caso próximo (ou simplesmente prefere correr o risco). Sabe aquela sua amiga que disse que não teve leite? Você já perguntou a ela se ela ofereceu chupeta e/ou mamadeira para o filho? Provavelmente ela vai dizer que sim, mas... Ela prefere acreditar que o corpo dela não foi capaz de produzir leite, acreditar que a natureza é imperfeita... Aí mora o grande perigo de não conhecer ou não acreditar nas evidências científicas: a pessoa tenta achar motivos "por conta", tira conclusões sozinha, e, claro, chega a conclusões erradas, e repassa essas conclusões erradas para amigos próximos que estão na mesma situação, e a coisa vai se multiplicando como se fosse verdade... Triste isso, concorda? Mais triste ainda, na minha opinião, é ver médico que desconsidera totalmente as evidências científicas. Já foi comprovado, por exemplo, que oferecer chás e água pode atrapalhar a amamentação de recém-nascidos. Aí o doutor receita um "cházinho", a mãe questiona e ele responde: "criei meus 3 filhos desse jeito, então dá certo". 

Ah, então ele está conduzindo um diagnóstico profissional baseado na experiência particular dele, e não nas evidências científicas? Uau - se é para me consultar desse jeito então não preciso de médico, prefiro bater um papo com as minhas comadres, afinal elas criaram cinco filhos, e esse médico criou só três. Você também pode estar se perguntando se o termo "evidência científica" é modismo - vamos lhe mostrar que não. Antigamente você ficava sabendo dos últimos resultados das pesquisas científicas através dos médicos. O "doutor" viajava para participar de um congresso, se atualizava com as últimas novidades, voltava para o consultório com um baita certificado de participação e passava a orientar os pacientes com as novidades que ouviu no congresso. Antigamente era assim e hoje continuam existindo congressos, mas... Ninguém mais precisa esperar o "doutor" voltar da viagem para saber o resultados de pesquisas científicas, já que grande parte delas está disponível na internet - aí é que está a novidade (por isso algumas pessoas ainda acham que este termo é novo, ou acham que é moda). Muita gente fica te olhando com aquela cara de "O que é isso meu Deus?" quando você fala em evidências científicas, como se você fosse um ET, sem perceber que isso é coisa das antigas - só não se costumava usar o termo antigamente (apenas falávamos que agora o "doutor" recomenda fazer assim ou assado). Vamos voltar na história do ovo vilão e ovo mocinho - enfim, para quais pesquisas devemos dar crédito? Bom, para começo de conversa, existem mesmo pesquisas que contestam resultados antigos - ainda bem, sinal de que continuamos evoluindo. Mas e aí, para que lado correr?
Na minha opinião o melhor é procurar as evidências que, de tanto que já foram comprovadas, passaram a ser incentivadas por órgãos sérios - por exemplo, a Organização Mundial de Saúde ou o Ministério da Saúde. Quer pesquisar na internet? Existem sites sérios que mostram evidências científicas e até alguns blogs, como o Cientista Que Virou Mãe, blog do Cacá, blog do Ricardo Jones, blog da Dra Melania Amorim, entre muitos outros. Sabe aquele recadinho que a Anvisa mandou colocar em todas as chupetas: "A criança que mama ao peito não necessita de mamadeira, bico ou chupeta. O uso da mamadeira, bico ou chupeta prejudica a amamentação e seu uso prolongado prejudica a dentição e a fala da criança."?, pois é, este recado ainda é muito modesto - espero que no futuro seja algo mais agressivo, como já fazem com as embalagens de cigarros. E a linda propaganda sobre amamentação que aparece na TV, dizendo "A Organização Mundial de Saúde recomenda amamentação exclusiva até os 6 meses e prologada por até 2 anos ou mais". Pois então - um dia desses eu ouvi de uma médica a seguinte pergunta: "Sua filha já tem mais de 1 ano - porque você ainda está amamentando?". Eu fiz cara de paisagem e fiquei com vontade de responder: "Doutora, isso é o que a OMS recomenda, sabia? A senhora não fez nenhuma atualização desde que se formou, não participou de nenhum congresso?". Infelizmente não tive coragem de dar a resposta acima para a doutora, mas bem que ela merecia.

Daí fico pensando - se até médicos andam ignorando as evidências, não podemos nos surpreender com os pobres leigos, que muitas vezes nem têm acesso a outras fontes de informação. Para você que gosta de participar de discussões (reais ou virtuais) aí vai uma dica para não pagar mico: da próxima vez que você resolver entrar numa discussão, pense umas 20 vezes antes de contestar uma evidência científica - se é EVIDÊNCIA então já foi PROVADA pela CIÊNCIA, logo estes assuntos não deveriam nem ser discutidos tomando como base experiências individuais. Quer um exemplo? Vamos fechar com um dos nossos preferidos: colo não faz mal para bebês, não os deixa mal acostumados, nem dependentes, e não faz os bebês se tornarem pequenos tiranos. Se você ainda tem dúvidas, deixe os achômetros de lado e procure as evidências científicas, mas pode começar olhando em volta: você conhece alguma pessoa que foi mal criada ou se tornou um delinquente por excesso de colo? Eu não conheço - todos os casos que vi estão relacionados a falta de limites na educação, que é muito diferente de excesso de colo.

Um comentário:

  1. Parabéns pelo artigo! Muito educativo e esclarecedor. Saudações, Myriamh Loureiro.

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