sábado, 9 de setembro de 2017

Maternidade à lá brasileira (classe média)

A Maternidade que você consome
[esse texto não é uma intenção de julgar ou atacar ninguém, é só uma caricatura]

Custa 450 reais um exame pra saber o sexo do bebê dois meses antes do que o ultrassom de rotina mostraria (o sexo do bebê não vai mudar ou sair correndo). Se paga pela ansiedade.
Enxoval feito em Miami (ou comprado novinho em qualquer loja) com direito a mil apetrechos, cacarecos e firulas inúteis. Convenceram-te que você será uma mãe melhor se tiver tudo isso. Convenceram-te que você será uma péssima mãe se não comprar tudo isso. Seu bebê precisa!

Quarto reformado, papel de parede de 200 reais. Berço americano, Mobile importado. Kit berço (não recomendado por pediatras) devidamente comprado, bordado a mão, cheio de laços: 600 reais. (poeira acumulada e risco de sufocamento pro bebê). Saída de maternidade, vermelha, claro! O pacote completo, caro!



Carrinho de marca, super trambolho, vira pra frente e pra trás, tração de offroad, encaixa o bebê conforto, capota conversível! 2 mil reais!
A melhor banheira, a babá eletrônica com câmera, aspirador nasal, capa de chuva pro carrinho, lixeira que disfarça o cheiro das fraldas (sim, existe!) kit higiene decorado personalizado, enfeite de porta encomendado, toda a parafernália de mamadeiras (até kit de esterilização!)

Encomendou pomada importada (à base de petróleo, mas todo mundo diz que é ótima), comprou mil remédios, termômetro de banheira modelo infantil e uma colônia para bebês, pra ficar cheiroso! E você até encomendou saquinhos para separar os conjuntinhos de roupa com a costureira. Jura que é super necessário!

O bebê que não anda tem sapatos, caros. Cadeirinha que balança sozinha. Até aquecedor de lenço umedecido você comprou (você não acreditou que algodão com água morna era melhor). Tudo para dar o melhor para o seu bebê.

A poltrona de amamentação foi devidamente comprada combinando com a decoração do quarto. (você não contava que ia se sentir solitária lá e ia preferir ficar acompanhada de outras pessoas no sofá da sala). Pagou curso pra aprender a dar banho e trocar fralda. Fez chá de bebê, chá revelação, chá recepção. Tirou fotos com sapatinhos na barriga, paetês, pai ajoelhado beijando sua barriga. Pacote completo!

Pagou o plano de saúde, fez questão de usar o plano de saúde (afinal está pagando né). Visitou o hospital e adorou os quartos, tudo confortável. Confiou no seu médico de convênio (ele estudou pra isso né). Pesquisou mais a fundo quando comprou sua televisão do que quando escolheu o médico que ia estar no dia mais importante da sua vida. Mas o convênio é seguro não é mesmo?! SUS de jeito nenhum! Pagar particular? “Imagina! Meu médico é um fofo!”

Falou com aquela sua amiga que já tem filhos, mas achou ela muito “radical”. Foi convidada pra frequentar uma roda de gestantes gratuita onde dizem teria muitas boas informações, mas é gratuita, deve ser ruim, deve ser coisa de bicho grilo, pro seu filho você só quer dar do melhor!

Comprou os livros de “adestramento” de bebês, aqueles da moda, como fazer o seu bebê entrar na rotina e não afetar sua vida! Entrou num grupo de gestantes no whatsap mas achou todas muito exageradas no pós parto, fazendo o maior drama, até parece que maternidade é complicado, você já está se preparando com tudo! Saiu do grupo...

A barriga cresce e você tenta ouvir o coração do bebê com aquele sonar que comprou lá no início. Complicado se conectar ao bebê assim né? Dependendo de um som, de um aparelho externo... É medo de olhar pra dentro, de sentir os movimentos, de confiar e acreditar no bebê que ali está? Às vezes é bom procurar terapia, maternidade é muita transformação. Olhar pra dentro é importante!

A barriga cresce e você compra creme especial pras estrias. A barriga cresce e o medo cresce junto, você não quer nem ouvir falar em parto, em puerpério... que gente chata! E se concentra nos últimos detalhes do seu bolo de fraldas para o chá...

38 semanas de gestação, ansiedade lá em cima. Doula? Nah... bobagem, cara...
Alívio quando seu médico dá qualquer desculpa pra agendar sua cesárea (é cômodo pra ele e pra todo o sistema, mas não é o mais seguro) -- o mais importante é conhecer seu bebê -- que venha com muita saúde! (o médico não informou que na cesárea o bebê corre 3x mais riscos do que no parto normal). Cesárea feita, sem necessidade. Bebê não estava pronto pra nascer, ficou ‘cansadinho’, mas “tudo bem”, só um diazinho na UTI. Você preferiu o hospital que tinha UTI ao que era adaptado ao parto humanizado, o importante é ter o melhor pro seu bebê não é mesmo?! (Melhor seria se não precisasse de UTI por causa de uma intervenção desnecessária).

Bebê recebeu alta, você nem se lembrou da saída de maternidade especial, era tão mais importante tê-lo nos braços não é mesmo!?
Como amamentar está sendo difícil, você achava que era só oferecer e pronto. Eu sei, dói, eu sei, chora... Procura uma consultora de amamentação, vai te ajudar! (Ah não? É caro? Poxa... podia resolver seus problemas.. custa menos que 1 mês de latas de fórmula). Bebê chora, você chora. Quem disse mesmo que RN dorme o tempo todo? Dorme, mas só no colo. Como era aquele negócio que sua amiga ‘bicho grilo’ usava? Sling né...

O quartinho todo enfeitado -- você só entra pra usar o trocador, mas daqui a pouco já está trocando em cima da sua cama mesmo. O berço? Virou depósito de roupas lavadas empilhadas esperando que alguém as passe. Você está cansada demais, decidiu manter o bebê com você na sua cama, só assim ele não chora, só assim, no colo, do seu lado, grudado na sua cama - 
ele quer se conectar com você!

O móbile importado que toca Mozart você jogou pela janela, seu bebê chora quando o vê, ele quer seu colo. O carrinho de bebê, dobrado na lavanderia, já faz um mês que o bebê nasceu e você nem usou, tem medo de sair de casa.
O pediatra (desatualizado) conta as gramas que seu bebê ganha toda semana, você se sente pressionada. Como amamentar é difícil. Aquela sua amiga que já teve filho te falou sobre consultora de amamentação, que salvou a amamentação dela, nunca mais doeu, o bebê cresceu que foi uma beleza! Mas agora você já está complementando com fórmula mesmo né, o pediatra mandou. 40 reais por semana...

Como era mesmo aquele grupo de mães onde se podia desabafar sobre como era difícil sem ser julgada?! Pede pra aquela sua amiga te colocar lá de volta!


Um dia você se dá conta. No próximo filho vai fazer diferente! Se dá conta que foi enganada pelo marketing (gestantes e mães são considerados o mais lucrativo publico alvo, compram tudo pela ideia de estar dando o melhor pro seu filho).

Um dia você se dá conta que seu médico te enganou e não priorizou nem sua saúde nem a do seu bebê, que aquele GO particular estava mais alinhado com boas práticas em medicina e ia te atender com mais ética. Se dá conta que aquela doula poderia ter te ajudado a ter tido uma boa experiência de nascimento! Que o sistema é cruel e que todas aquelas compras não te ajudaram a lidar melhor com o bebê quando ele nasceu.

A informação está disponível! Mais importante que o enxoval é você perceber que não está fazendo uma escolha quando não te deram a informação completa! No setor privado no Brasil 9 a cada 10 mulheres passam por cesarianas, 7 dessas poderiam ter sido evitadas! No Brasil mulheres procuram cesáreas por medo de partos violentos, mas o parto (bem assistido) não precisa ser um sofrimento!

No próximo filho você pode viver uma maternidade mais leve. Pode tentar dar mais chances à sua experiência de parto, à saúde do seu filho (que nasce melhor e mais pronto de parto normal se for possível). Pode se prevenir pra acertar com a amamentação, pode priorizar onde investir, e rever o que é realmente importante no fim das contas.
 
A oportunidade de nascimento que você dá ao seu filho e a si mesma, é um dia único na sua vida, que todos os anos você vai reviver e ressignificar. As coisas que você comprou, tão ‘essenciais’, seguem acumulando poeira.

Quando a gente segue olhando a maternidade como bem de consumo, a gente segue desconectada do bebê, desconectada de nós mesmas, alheias às nossas emoções mais profundas, não vivendo a maternidade, mas sendo CONSUMIDA por ela.

Dê uma chance a si mesma e ao seu bebê, repense, se informe, questione! Pense no seu plano de parto, reveja a equipe que vai te atender. Aprenda sobre as intervenções no parto, as intervenções feitas com o bebê, faça escolhas, aí sim, conscientes, informadas, SUAS! Estude sobre amamentação, não rejeite aquela amiga que quer te estender a mão por que sabe como pode ser difícil e não queria ver você chorar perdida.
Não transforme a maternidade em algo a ser consumido, mas numa linda e transformadora EXPERIÊNCIA de vida. Dar o melhor ao seu bebê não está no que você compra ou no plano de saúde que você paga, às vezes está em abrir mão dessas coisas, por outras!

Depois que o bebê nasce, são as impressões sutis e emocionais que ficarão marcadas em você, as impressões do nascimento, das primeiras semanas. Do amor e do cuidado. O resto perde a importância. 

 É claro que é gostoso o carinho com que a gente cuida de tudo e monta o ‘ninho’. É claro que algumas mulheres precisarão de intervenções médicas mais drásticas, cirurgias. Eu mesma precisei de uma cesariana! Algumas mulheres terão problemas reais com amamentação, precisarão de fórmula. Agradecemos à existência da cesárea, da fórmula, e até dos apetrechos que facilitam às vezes (nem sempre) nossa vida.

Esse texto não é para julgar as mães, ou trazer culpa. Mas para sacudir e dizer “olha tem outras coisas mais importantes!”

Se você se sentiu atingida, olhe pra dentro, e se perdoe no que você sentiu que errou, e tente novamente, e siga em frente. Vai ficar tudo bem!

A maioria das mulheres sofre cesarianas no Brasil não por que “escolheram”, mas foram induzidas a pensar assim, por quem deveriam poder confiar, e pela cultura que vivemos, pelo sistema falho de saúde que temos, por medo, por desinformação...

Sou a favor de livre escolha, mas só há escolha quando há acesso real à informação fidedigna e clara sobre todas as nuances de nossas escolhas, sem isso estamos apenas sendo levadas...

Quando aquela sua amiga te convidar pra uma roda de gestantes, sugerir um documentário, um vídeo, um livro, saiba que ela só está querendo com carinho te estender a mão, pois ela sabe com o é ‘punk’ passar por tudo isso, e ela sabe como pode ser diferente!

Viva sua maternidade como achar melhor, mas saiba que há outras escolhas, e nem sempre o “melhor pro bebê” está em algo que você comprou...



To falando com carinho ;)

11 comentários:

  1. Que perfeito!!! E é exatamente assim... ����

    Amor por esse texto. Real, duro, mas escrito com amor.

    Parabens! Obrigada!

    Beijos.


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  2. Sugestão de edição: "O pediatra (desatualizado) conta as gramas que seu bebê ganha toda semana..."

    "Os gramas" seria o correto.

    Me pareceu que esse texto existe porque vc tentou demais ajudar alguém durante a gravidez mas essa pessoa não te ouviu, não percebeu seu esforço em tentar ajudar e você ficou magoada.

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    1. Obrigada pela correção ;)
      As vezes a gente fica magoada com algumas coisas mesmo. Mas não foi nada em especifico não. São anos sendo doula, coordenadora de rodas gratuitas, ativista etc. São anos querendo abraçar e acolher as amigas que rejeitam nossa conversa. Faz parte, mas não deixa de machucar, de fato. Paciência, cada um com seu caminho.

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  3. Esse texto é muito do que vivo na Minha primeira gestação. Me importava com quarto..berço (por fim ela dormiu comigo na cama e o berço serviu pra estocar roupa e cobertas).
    Eu depois de uma cesárea intra parto tive uma infecção gravíssima. Fiquei separada da minha bebê, tive parada cardíaca, fiquei isolada na UTI..de nada adiantou todos aqueles preparativos materiais se eu não estava com minha filha.
    Agora minha segunda filha veio de parto normal com uma ajuda incomparável de uma Doula querida ( que fez toda diferença )
    Frequentei a roda de Conversa gratuita, que foi o que me ajudou e levou a realizar o tão esperado parto normal. Não foi exatamente como eu planejei. Mas eu pari.Sou grata.

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    1. Você é uma mulher incrivelmente forte Tarci!!
      Orgulho da sua jornada, da sua transformação, dá sua garra. Suas filhas tem sorte!

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  4. Lindo !!!! Parabéns pela sua delicadeza com consistência.

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  5. Olá! Entendi sua intenção com este texto, mas em minha opinião o resultado final foi mais um texto apontando o dedo para aquilo que considera errado na gestação e no parto das outras mulheres. A tentativa de jogar a responsabilidade pela desinformação da mãe nas mãos dos "outros" não conseguiu suavizar a brutalidade com a qual o texto foi escrito. Minha impressão foi a de que, no final, se tornou apenas mais uma "peca publicitaria", "vendendo" uma outra forma de encarar a gravidez e a maternidade, ainda mais considerando sua linha de trabalho. Cada pessoa vivencia a gravidez e a maternidade de uma forma, a minha vem sendo tranquila e engrandecedora, e nem por isso o texto deixou de me afetar profundamente. Mais difícil do que resistir aos apelos de consumo e do que lutar contra a dita desinformação é perceber a facilidade com a qual as vivências e escolhas das outras mulheres são sempre julgadas, mesmo Que que esta não tenha sido a intenção inicial.

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  6. Texto bom, mas , sinceramente, vc acha que a mulher "enganada pelo marketing" vai ler? Vai procurar sobre o tema é ler? Acho que não. Por isso, no fim, acaba sendo texto que gera mal estar nas " coitadas" que fizeram a cesárea enganada. Não acolhe. Não ajuda. Começar texto com ironia pra esses casos não ajuda mesmo. Mesmo que, no final, haja parágrafos de "empoderamento"....Sótrapalha e afasta as "coitadinhas". Reveja sua abordagem... Eu mesma já estou ficando cansada de ver jogarem pedras nas coitadas. Fiz cesárea, queria normal. Foi extremamente humanizada... Queria ter comprado na Carter's, sim. Mais barato e de melhor qualidade do que encontramos aqui. E, ah! Doula nem sempre é a salvação da vida. A minha simplesmente me abandonou no puerpério, qdo mais precisei. Enfim... Bom movimento é pra acolhimento, não reprovação.

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  7. Nao sou de comentar posts, mas me vi obrigada a fazer neste.
    Sou mãe de um bebê com 2 meses de vida. Primeiro, me preparei para fazer parto normal, mas perdi tanto líquido que acabou sendo cesariana.
    Segundo, preparei meus seios para amamentar os 9 meses, mas meu filho por nao saber sugar direito nao ganhava peso, chorava o tempo todo e minha produção começou a diminuir... procurei o grupo de aleitamento materno, foi o dinheiro mais bem pago,contudo, a minha surpresa, tive que fazer complemento com leite formulado.
    Pois eh... a maternidade nao eh perfeita! Até hoje choro em muitos momentos, quando dou o leite. Meu filho mama, mas depois tenho que fazer o complemento.
    Então, a materia foi bonita, mas se vc eh uma mãe que tenta, faz o impossível pelo seu filho... nao se culpe se nao deu certo.
    Eu me frustrei com minha maternidade, mas ainda nao desisti! Amamento e aguardo o máximo possível de dar o leite formulado. Mas é isso aí....
    Alerto apenas que tudo falado sobre maternidade é suposição, pois cada filho é ímpar, cads puerpério é único e nós mães tb somos diferentes.
    Deus abençoe a todas as mamães e dê sabedoria.

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  8. Texto maravilhoso, tudo aquilo que queremos falar sobre a maternidade e não sabemos como...
    A maternidade como deveria ser...
    Não vejo como julgamento a nenhuma forma de maternar, mas sim de mostrar o que realmente importa e não que não possa ter um mega carrinho ou roupas importadas...
    Parabéns

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  9. Adorei o texto! Mais pura verdade. É facil encontrar esse perfil nas blogueiras que mostram o quartinho projetado por arquitetos e quando o bebê completa três meses faz video falando sobre o desmame e sem entender o que aconteceu (mesmo com bico de silicone, chupeta etc).

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