Relato de Parto da Lara - filha da Aláya
Pensei em alguns títulos para este relato
como: “quando uma doula planeja um parto domiciliar e acaba numa cesárea” ou
“quando o parto real foi bem diferente do idealizado - dei azar na
estatística”. Apesar de tudo ter saído diferente do que eu esperava, esse não é
um relato de violência nem de tristeza.

Eu havia passado a semana inteira em pródromos
(pré trabalho de parto, contrações irregulares que vem e somem). Tive vários
alarmes falsos, vinham contrações, vinha uma cólica, sentia a cabeça da minha
filha encaixando e empurrando para baixo, sentia uma pressão nos ossos do púbis...
e ai tudo parava. Depois de alguns dias em pródromos eu já não estava nem dando
bola. Eu sabia que estava acontecendo, que uma hora “engrenava”, mas foram
tantos dias dessas contrações que vão e vem e só causam um desconforto e somem
quando você começa a achar que é TP que eu desencanei. “Vai vir a hora que
tiver que vir”. E todo dia eu ia dormir com elas, pensando “será que é essa
madrugada”? E toda manhã eu acordava com tudo parado, e mais um dia se seguia. Sábado
a noite comecei a achar que tinha algo meio ‘travado’ (coisas de medicina
chinesa) e resolvi fazer uma acupuntura em mim mesma. Foi incrível! Bastou que
eu colocasse as agulhas que a Lara começou a se mexer muito no meu útero, senti
que fez algum efeito. Mas domingo de manhã veio e nada... veio a noite e vieram
as contrações, como todas as noites anteriores. Era dia 30 de junho e eu senti
que elas estavam um pouco mais fortes que nos dias anteriores, mas como já
fazia 1 semana de alarmes falsos, tentei não dar bola. Lá pela meia noite meu
marido foi dormir e me perguntou “será que eu vou trabalhar amanha?” -- “hoje ta um pouco mais forte, mas todo dia eu
tenho contrações antes de deitar, então difícil saber, amanhã a gente descobre,
boa noite”.
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Apesar de beber bastante água eu nunca fui de
levantar a noite para ir ao banheiro, sempre dormi a noite inteira. Inclusive
tinha medo de passar o trabalho de parto madrugada adentro pois nunca fui uma
pessoa que lida bem com noites em claro e privação de sono. Deitei e senti a
barriga endurecer algumas vezes antes de pegar no sono.
Naquela madrugada eu acordei as 2 da manhã com
vontade de ir ao banheiro, ao baixar a calcinha o sinal: sangue! Fiquei
feliz!!! Era só um filetinho de sangue, eu sabia o que significava, era a
dilatação começando. Era o primeiro sinal de que algo diferente acontecia. A
barriga continuava endurecendo.
“Oba acho que hoje vou parir!” Fiquei empolgada.
“Calma Alaya, não se empolgue muito, você precisa dormir” – meu eu doulístico
falava.. “É só inicio de fase latente, são apenas duas da manhã, vai descansar
enquanto você pode, pode demorar, pode nem ser hoje”.
Bem, difícil controlar a animação né. Fui para a
sala e peguei o celular só pra ver de curiosidade se havia algum intervalo
entre as contrações. Estavam de 6 em 6 minutos... estranhei, não estavam
fortes, eu esperava um intervalo maior, pelo menos de 10 minutos.. Contei umas
5 contrações, curtas, mas de 6 em 6. “ok, contrações atípicas mas é assim
mesmo, cada TP é um TP”. Enquanto isso conversava com um amigo que vi online e
ia me acalmando..
Hora de voltar a dormir.. deitei no sofá mesmo, acordei umas 3 horas depois,
com frio. Voltei pra minha cama, era 5:30 da manhã... deitei, uma contração
mais forte. “Nossa essa doeu um pouco, mas relaxa Alaya, o sol nem nasceu
ainda, descansa” – minha doula falante não parava de tentar me orientar.
Mais uma contração... “ai essa foi mais forte”.
Acordei o Felipe “acho que você não vai pro trabalho hoje”. E então veio outra
contração e desisti de ficar na cama, tava desconfortável demais ficar deitada.
Estava escuro ainda, era 6 da manhã, o sol nascia
-- “ó que bonito, vou ver o dia raiar” – pensei. Decidi tomar um banho quente
para ver se as contrações paravam, só pra checar se não era alarme falso de
novo por desencargo de consciência. Continuaram a vir ritmadamente.
Como estava sentindo as contrações
mais fortes fiquei curiosa para ver novamente se tinha algum intervalo. Foi
estranhamente difícil entende-las, eu, que já tinha visto partos, que já tinha
ajudado outras mulheres a contarem o intervalo de contrações delas... não
estava entendendo as minhas. A onda não era “uniforme”.. ela vinha, endurecia,
doía, endurecia, ia embora... mas não entendia bem onde começava e quando
terminava.. quando tinha realmente terminado e quando estava apenas
“reverberando” a sensações... mas tentei prestar atenção, me conectar...
estavam irregulares, mas o intervalo era de uns 3min! “Como assim?!” Duravam pouco, menos de 1min, não eram
contrações de trabalho de parto em fase ativa.
Estava cedo pra avisar alguém, eu nem estava
incomodada nem nada. Esperei, queria curtir o momento. Fiquei apoiada de
joelhos no sofá, reclinada sobre as almofadas, tranquila, feliz, extremamente
feliz que finalmente tinha chegado meu dia de parir. Fiquei quietinha ali
sentindo meu corpo, sentindo minha filha mexer, até umas 7:30 da manhã. Marido
levantou e me olhou pedindo confirmação de que era TP mesmo... era, era sim, “hoje
você não vai pro trabalho.”
Eu queria curtir as contrações até estarem bem dolorosas, até eu achar que está
mais perto de nascer. Meu TP me dobrou, me quebrou ao meio, eu não era mais
doula, eu era só a Alaya, animada e ansiosa pra parir. Eu não sabia de nada. Eu
queria chamar a equipe só quando estivesse entrando na fase ativa, mais pro
final, nada de chamar cedo demais. Mas eu não sabia de nada...
Eu não sentia medo, estava muito tranquila,
estava tão tranquila que comecei a lembrar dos partos que vi e que soube que
foram rápidos demais. Me lembrei de algumas amigas de Brasília, de duas
diferentes que a equipe não teve tempo de chegar, de outra que não deu bola
pras “cólicas” e quando foi ver já tava com 7cm. Lembrei de uma linda cujo
parto acompanhei que achou que tava “passando mal” (por que o marido estava
doente), e quando descobriu que era parto chegou ao hospital com 9cm. Lembrei
de uma mulher incrível que teve um parto que durou 3 horas apenas.
“A cabeça atrapalha” já dizia a parteira mexicana
Naoli Vinaver, minha cabeça atrapalhou. Parto de doula, que lindo né! Confiança
no corpo? Check! Sem medo da dor? Check! Confiança na equipe? Check! Acreditar
na fisiologia, no corpo se abrindo, na perfeição dos hormônios? Check! Eu tinha
tudo isso, me sentia bem com meu corpo, feliz com meu parto; mas a cabeça não
desligava, a doula falante dentro de mim não se calava. De que adianta saber
que tem que se entregar. “Não pense em macaco”. Pensar em não pensar é o mesmo
que pensar...
Então a cabeça dizia “Você tá sentindo essas
contrações desde as 11 da noite, as 2 da manhã percebeu um possível início de
dilatação, dormiu, relaxou, as contrações estão mais fortes, e próximas (ainda
que de curta duração), já fazem 8horas desde que você começou a sentir tudo,
alguma progressão pode ter tido, o TP parece estar avançando, melhor chamar a
equipe agora e se enganar do que ser um desses casos rápidos e chamar tarde
demais”
E eu me enganei... foi o intervalo curto, eu me
enganei... Telefonei pra Katia e pra Gisely (minhas parteiras queridas, as
enfermeiras obstetras). Eu estava tão descrente desse intervalo entre as
contrações que até menti pra elas, aumentei um minuto “olha, ta tudo tranquilo,
ta tudo bem, mas o intervalo entre elas está de 4 minutos, mas estão durando
pouco, achei melhor avisar, vai que né...” Telefonei pra Mirella (doula), pedi
pra avisar a fotógrafa (Cristiane, do "amor em foco"). “pode vir sem pressa”.
Fiquei muito feliz quando a campainha tocou e a
Mirella e a Cris chegaram, e logo chegaram as parteiras, Katia e Gisely. Eu ria
entre as contrações, estava um dia lindo. As quatro trouxeram mais alegria pro
apartamento. Fomos ao quarto me avaliar (eu queria um toque, meu primeiro em
toda a gestação) e verificaram que eu estava com o colo quase totalmente
apagado e 2cm de dilatação.
Não, não gostei da informação. As contrações
continuavam próximas e curtas, e já estavam doloridas, eu já fechava os olhos e respirava fundo com elas vinham, não era como aquelas mulheres que tanto vi conversando e rindo tendo contrações quando estavam nessa fase... eu achei que estaria
pelo menos com uns 4cm. Na minha cabeça se passaram muitas coisas, minha doula
tagarela interior dizia: “você sabe que dilatação não quer dizer nada, que não
existe padrão certo pra parir, que o que importa é deixar as contrações fazerem
o trabalho delas, você pode passar horas com a mesma dilatação e de repente
dilatar bastante em menos de uma hora, cada parto é um parto” – de forma não
verbal era essa mensagem que eu passava pra mim mesma... mas se misturava com
“putz com 2cm eu nem teria sido internada na casa de parto” – “poxa fiz elas
chegarem aqui cedo demais” – “po, a madrugada toda... achei que estaria mais
evoluída”. É, a gente pensa essas coisas, mas minha tagarela interior fez uma
mensagem se sobrepujar a todas as outras “o que importa é que o trabalho de
parto começou, você não tem controle sobre sua dilatação e suas contrações, um
passo depois do outro, esquece o tempo, esquece as medidas, curte cada
contração”. Eu me convencia disso, cada vez que vinha algum outro pensamento eu
reforçava pra mim mesma “entrega, deixa fluir e acontecer”.

Acho que fiz isso relativamente bem durante toda a manhã. Eu estava sim um
pouco assustada com a dor, pois não era a dor que eu esperava pra um início de
fase latente, tantas pessoas eu tinha visto em situações bem diferentes,
batendo papo e levando a vida normal nesse período, e ali estava eu, já tendo
que lidar com contrações.
Quando voltei para a sala a Mirella tinha ascendido
minhas velas, eu adorei que ela lembrou disso, eu queria muito o fogo delas
aceso. Minha mãe me trouxe o açaí que eu tinha comprado especialmente pra tomar
no parto, um mimo alimentar. Eu caminhava pela casa, me pendurava no rebozo, me
apoiava na bola. A Mirella me trouxe duas bolsas de sementes quentes para os
ombros e para as costas que aliviavam durante as contrações e me ajudavam a
relaxar.
Decidi que pra ajudar a me desligar e mergulhar
no processo, eu ia pro chuveiro. Hora de relaxar, ficar sozinha. Não sei quanto tempo se passou, são memórias
nebulosas. Só lembro da felicidade que eu sentia em cada contração no chuveiro,
lembro do Felipe indo ver se eu estava bem, e do amor transbordante que eu
sentia por ele ali comigo. Eu conversava com a Lara e dizia que queria pegá-la
nos meus braços.
Quando saí do banho vi que apenas a Mirella
estava ali comigo. As outras mulheres tinham saído para almoçar e eu achei bom,
não queria que elas se sentissem “presas” na minha casa, agora que eu sabia
minha dilatação, sentia que talvez fosse demorar mais que eu esperava.
Logo elas voltaram. A Cris trouxe chocolate, adorei!
Minha mãe me oferecia mais açaí. As cortinas da sala estavam fechadas, o
ambiente me envolvia aconchegantemente. Mais uma avaliação, quatro horas depois da primeira: 4cm - “ok, ta lento mas está indo, um passo depois do
outro” – é o que eu pensava. A dor aumentava, a intensidade aumentava, nesse
momento eu já não fazia mais ideia de tempo, duração, horas. Eu sentia que eu
estava indo bem, que tava tudo bem. Ouvi a Katia ao telefone e logo ela veio me
contar que ia arrumar uma banheira para eu poder ficar na água.
Começou a doer bastante e eu já não achava mais
posição confortável. De repente após uma contração abri os olhos e vi a Rosana
(obstetra) na minha sala. Foi uma agradável surpresa. Ela estava com um sorriso
convidativo, e trazia sua banheira consigo. Ia me emprestar, a banheira nunca
antes usada. “Que legal vou estrear sua banheira!” – eu disse. Gratidão é tudo
que eu sentia.

Não sei como conseguiram mas eu mal pisquei e a
banheira já tava ali cheia. Lembro do Felipe ajudando com tudo, bomba de
encher, mangueira. Não lembro o tempo passando até a banheira estar cheia a
ponto de eu poder entrar, mas quando entrei foi amor, amor líquido! Eu derreti entrando naquela água quente, ahhh
alívio!! Devo ter falado um monte de vezes para a Katia o quão eu fui idiota de
achar que eu não ia querer banheira. Sim, falei durante nossos encontros que
não precisava de banheira, que eu ia parir no chuveiro mesmo, ou em qualquer
canto; era inverno, ia estar frio, eu não ia querer entrar na água, banheira da
muito trabalho... Obrigada Katia por não me ouvir! Obrigada!
No calor da água o tempo se diluiu, uma
contração, outra, outra.. deitada, relaxada, de joelhos, apoiada na borda...
gemidos e contrações, o Felipe trazendo baldes de água quente para repor
impedindo que a banheira esfriasse, a Gisely jogando a água da mangueira nas
minhas costas, a Mirella com seu olhar atento e palavras de apoio, a Katia com
sua presença, minha mãe me trazendo minha dose de Florais de Bach. Eu não as
via, e as via ao mesmo tempo. Suas presenças ali não me incomodavam, me sentia
acolhida, sentia amor.

“Vocês são
tudo loucas de passar por isso, vocês todas ai que pariram” eu falava pra
Katia, pra Mirella, pra Cris.. “pra que que eu fui inventar de me meter nessa
roubada!” – Eu falava isso, mas falava rindo, não era uma roubada, era só
vontade de reclamar, de colocar pra fora, de tirar sarro da minha situação, da
minha dor física, da dor que não era sofrimento, eu tinha escolhido tudo aquilo
e não queria diferente. “Todo mundo diz isso né, eu sei... e nem é fase de
transição, mas essa coisa de parir é tudo pra maluca”. Eu via a Mirella e a
Cris na minha frente, eu sentia a amizade palpável no ar – “deve ser ocitocina,
ta tudo muito amor isso aqui <3” (eu pensava secretamente). Eu ficava me
imaginando naqueles partos de antigamente, cercada de mulheres, eu estava feliz
com as presenças ali, as parteiras, minha mãe. Eu me inundava de felicidade com
a aproximação do Felipe, que do modo dele me deu o apoio que eu precisava, as
palavras de incentivo, os sorrisos, o carinho no olhar -- disso eu lembro bem.

As contrações doíam, sim doíam cada vez mais,
pareciam vir mais fortes, pareciam durar mais. Eu me nutria de esperança. Eu ia
parir, ia conhecer minha filha! Eu já fechava os olhos entre as contrações,
respirava fundo, gemia, esquecia do mundo. Elas vinham me atropelando, com
força, com dor, me dizendo “você não tem controle nenhum aqui, ela vem e vai na
quando quiser, na intensidade que ela quiser, você só precisa passar por ela,
uma depois da outra”. E eu passava, uma depois da outra. Não sei quantas horas
fiquei na banheira, me disseram que foram muitas!
Um dos melhores momentos pra mim foi quando o
Felipe veio ficar ao meu lado, ele me dizia palavras de incentivo. Ligaram
minhas músicas, minha setlist de parto. Começou a tocar “paciência” do Lenine, parecia
que era pra mim:
“Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede um pouco mais de alma
A vida não para
Enquanto o tempo acelera e pede pressa
Eu me recuso faço hora vou na valsa
A vida é tão rara”
Eu cantava e olhava para o Felipe que me fazia
carinho no rosto, senti minhas lagrimas escorrerem, lágrimas boas, era
felicidade, emotividade do momento. “A vida não para, ela pulsa dentro de mim,
o tempo pede pressa mas eu vou no meu ritmo. Tudo isso é tão raro, tão precioso,
só preciso ter paciência”. E o tempo foi
passando...
Lembro de alguém dizer que eu já devia estar na
fase ativa, as contrações estavam mais fortes, durando mais tempo, eu já não
conversava tanto, sentia mais pressão. Se eu fosse a doula desse parto eu
acharia a mesma coisa. Me animava com a ideia de que devia estar um pouco mais próximo
dela nascer.
Eu já estava a muito tempo na banheira e aos
pouos o ritmo parecia ter diminuído. A Katia se abaixou e me perguntou se eu
não queria sair um pouco, eu topei pois eu realmente estava pensando em sair. Fizemos
outro exame de toque, a meu pedido, já fazia umas 7 horas desde o último, acho
que devia ser por volta das 19h.
4 centímetros... quatro... colo igual, não tinha
terminado de apagar, estava igual desde as 8 da manhã. Foi duro, dureza. Doeu
em todas nós. Claro que eu me abalei, eu não queria me deixar abalar. “Vou para
o chuveiro, fazer essas contrações funcionarem”. E fui. E no chuveiro eu
rebolei, eu gemi, eu xinguei, eu reclamei das contrações, eu me agachava e
ficava de cócoras quando vinha uma, eu me apoiava no banquinho plástico que
coloquei no box, e me agachava...
O Felipe vinha me dar força pra continuar. Depois
vieram a Mirella e a Katia. Eu chorei, chorei por que ali no chuveiro estava
caindo a ficha que talvez as coisas fossem diferentes do que eu esperava.
Chorei por que em 12h eu havia dilatado apenas 2cm. Chorei a fase latente
prolongada, o medo de ficar cansada antes de chegar ao fim. Comecei a ter medo,
e não é bom ter medo no parto... Estava doendo e estava demorando, quanto mais
eu ia aguentar? Chorei por que queria parir minha filha ali, no chuveiro,
queria sentir ela escorregando dentre minhas pernas, empurrando para baixo,
queria pegar seu corpo molhado e cheio de vernix, queria cheira-la e segurá-la
nos braços. Eu a desejava ardentemente, eu queria parir ali, e via meu parto se
afastando de mim...

Porque essa lentidão toda? Porque não
evolui? Está doendo tanto, era pra estar mais adiantado... não entendo... "A dilatação por si só não quer dizer muita coisa, o importante é as contrações estarem 'boas', eficazes" - eu repetia para mim mesma. Eu tinha contrações ritmadas, fortes, muito fortes, longas... mas nada... me sentia obstruída. E ai
comecei a lembrar dos partos que vi, dessa vez não dos rápidos, dos tsunâmicos;
lembrei dos partos arrastados, dos partos distócicos, dos partos que pediram
intervenção, ocitocina... Eu chorei e falei para a Katia “não quero ir para o
hospital”. Eu não estava pronta pra entregar as pontas pra transferência, ainda
não. Eu ia rebolar e caminhar e fazer esse colo do útero reagir.
Elas entenderam que eu não estava pronta, eu
precisava ter meu tempo. Sugeriram que eu descansasse, tentasse deitar, fazer o
corpo recuperar as forças. Eu deitei. Contrações deitadas não são boas, nada boas,
como alguém consegue parir deitada? Vontade de morrer a cada contração deitada
na cama, muito pior nessa posição! Como alguém consegue parir em hospital? Sem
essa liberdade toda que eu estava tendo?! Me alimentaram, chocolate, sorvete,
mel, água... E ai eu vomitei tudo. Minha mãe prendeu meu cabelo de um jeito
engraçado, pro alto, eu levantei pra ir ao banheiro lavar a boca e tirar o
gosto de vômito. Eu ria da minha situação, aquele cabelo preso ridículo, minha
cara de cansada, vomitada. Felipe me ajudou, e na confusão que eu tava peguei a
primeira escova de dentes que tinha na minha frente, era a dele! “Ahhh não
acredito você usou minha escova pra limpar o vomito!” foi o que eu ouvi! Rsrs.
Ops!

Voltei para a cama, ainda não tinha conseguido
descansar. Minha doula, a Mirella, ficou lá comigo. As bolsas quentes de
semente me ajudavam, e as mãos mágicas da Mirella conseguiram me acalmar.
Cochilei, entre uma contração e outra eu apaguei. Uma e outra contração, mas
consegui descansar um pouco. Acordei com uma bem forte, senti calor, queimação,
achei que era a bolsa quente de sementes, pedi que tirasse, mas não era, estava
fria já. Era a contração me acordando e queimando por dentro.
Quando me levantei saiu um enorme tampão, veio
com tudo, cheio de sangue. O descanso tinha funcionado, acordei com as
contrações ainda mais fortes, e dessa vez voltando a ter um ritmo. Nos enchemos
de esperança com o tampão – “quem sabe alguma coisa mudou aqui dentro, quem
sabe agora vai, agora destrava, agora afina o colo, agora dilata”. Ninguém
precisava falar, todas pensavam isso, eu acho.
Caminhei para a sala, queria me ajoelhar no sofá,
queria uma posição que ajudasse a dar espaço pra Lara rotacionar, ela ainda
estava com o dorso à direita. Bebês com dorso à direita nascem, só precisam
rodar, nascem todos os dias, a Lara ia nascer. Gisely veio mais uma vez com o
Doppler avaliar os batimentos cardíacos dela. A Lara havia descido mais, não
encontramos seu coração onde encontrávamos antes, estava bem mais baixo, lá no
púbis, mais um bom sinal, depois de tantas horas sem mudança, qualquer
alteração era bem vinda.
Eu estava cansada, e as contrações vinham sem dó,
muito fortes, doíam muito, muito mais que eu esperava. Mas o que mais me
atrapalhava era a cabeça, era pensar que doía assim com aquela dilatação, que
eu mal estava na metade do caminho, que ainda tinha 6cm pra dilatar, e não sei
mais quantas horas de trabalho de parto. Eu pensava que seria fácil aguentar se
eu soubesse que faltava pouco, se eu soubesse que estava “fazendo efeito”. O
problema não era a dor física, era a sensação de que estava sendo uma dor
ineficaz.

A Mirella tentava me ajudar com massagens e
pressão no quadril, as vezes era bom, mas na maior parte do tempo eu não quis
ser tocada, era como se o toque me tirasse o foco. As contrações me
atropelavam, com certeza já duravam mais que 1min. Eu testava formas de lidar
com elas, vocalizando mais ou menos, gritando ou não... Eu gritei bastante, mas
gritar não me ajudava (como parecia ajudar outras pessoas) e parecia me deixar sem forças. Resolvi tentar
encarar elas mais em silêncio, a Mirella cantou alguma coisa muito bonita, e eu
dei um abraço bom nela, eu tentava “respirar” entre cada contração, cada uma
que vinha, vinha pra me dizer que eu não sabia de nada. Parecia que meu quadril
ia arrebentar. Eu visualizava a contração empurrando a Lara para baixo, mas a
sensação que eu tinha é que a onda de contração batia e voltava pra cima, como
se a dor irradiasse sem saber pra onde ir. “Onde estão minhas dopaminas?” – as
vezes eu pensava comigo mesma.
Vieram ouvir o BCF (batimento cardíaco fetal) da
Lara novamente, estava um pouco acelerado, não precisavam me dizer, meu ouvido
já estava acostumado a ouvir o BCF dos bebês alheios, a Lara estava
taquicárdica. Perguntei, estava um pouco acima de 160. Ok, vamos monitorando. Eu
estava cansada, me trouxeram um pouco de mel. Resolvi voltar pra banheira.
Entre uma contração e outra eu via de canto de olho e ouvido as pessoas
conversando no outro quarto, no canto, eu sabia que estavam conversando o que
fazer. Já era por volta das 22h, havia uma certa preocupação no ar, e eu lidava no meu interior com a possibilidade de
ir pro hospital. Minha liberação de adrenalina não devia estar boa pro parto. Ouviram
o coração da Lara mais vezes, continuava acelerado; 172bpm certa vez.
Senti raiva, raiva da dor, da situação, da falta
de progresso. Me perguntava se havia algo de errado com meu corpo, por que não
estava funcionando? Eu aguentaria o que fosse para a Lara nascer bem,eu não queria ir para o hospital. Mas agora o coração dela se alterava, tudo mudou na minha cabeça. A dor vinha e atropelava, e agora passou a parecer sem
propósito, isso que foi o pior. Eu sentia que vinha uma atrás da outra, me quebrou: “não aguento
mais”.
Telefonaram para a Rosana (obstetra), ela estava
indo a Taubaté e passava por Caçapava naquele exato momento, aproveitou então e
veio me ver antes de decidirmos finalmente pelo hospital. Saí da água para ela
me avaliar. Ouvi alguém falar em taquissistolia (hiperatividade uterina) -- ou
delirei ouvindo. A Rosana achou que eu estava com 4 para 5cm de dilatação, e a
bolsa estava bem colada na cabeça da Lara. Ela resolveu romper. Eu tinha
curiosidade para sentir a bolsa rompendo, aquele líquido todo escorrendo...
Comigo não foi assim, só senti um leve molhado. “Cadê meu líquido todo?” eu
pensei. Havia um pouco de mecônio, não era creme de ervilha mas não era aquele
liquido claro e bem diluído. O mecônio por si só é um achado normal que pode
indicar apenas maturidade fetal e não ser sinônimo de sofrimento, mas como o
coração da Lara apresentava alguma alteração e meu trabalho de parto estava
arrastado, então foi mais um sinal de alerta.
“Vamos para o Hospital”. Eu não tinha preparado
mala de maternidade nenhuma! Eu sabia que existia a possibilidade de
transferência mas nunca acreditei que fosse acontecer comigo, tive uma gestação
tão saudável, me sentia tão pronta para parir. Graças a Cris e à Mirella eu e
a Lara tivemos o que vestir no hospital, elas improvisaram duas malas com
roupas para nós! Obrigada meninas!
As enfermeiras, a Mirella e a Rosana tentavam me
tranquilizar, falavam que não era decreto de cesárea, que possivelmente
poderíamos continuar tentando o parto normal no hospital, mas com uma analgesia
para ver se melhorava a resposta do colo do útero – quem sabe mudava meu quadro
e ajudava na dilatação. O Felipe estava preocupado comigo, em como eu ia
aceitar tudo isso; bem, o que eu poderia fazer, precisava aceitar... Estava tão
cansada e com tanta dor, não pensava em mais nada, só sentia medo do trajeto no
carro, eu sabia que ia doer mais, muito mais, 20min no carro, tendo contrações.
Oh céus!!

Minha mãe foi atrás comigo, e como eu previ, as
contrações no carro foram as piores possíveis, eu me sentia partindo ao meio de
tanta dor, a sensação era de morte. A Rosana foi antes para já ir adiantando o anestesista e a entrada
no hospital (Antonio Rocha – São José dos Campos). Em certo momento lembrei da
fala da Robbie Davies Floyd no documentário “O Renascimento do Parto” dizendo
que as enfermeiras são ótimas para assistir o parto fisiológico, e o médico
obstetra surge como o “herói do hospital” (isto é, quando a intervenção mais
drástica se faz necessária).
Graças à Rosana minha entrada no hospital foi
rápida. Logo que chegamos vi meus sogros na porta nos esperando. Meu sogro me deu o braço enquanto eu subia a rampa. Sentia seus amorosos olhares preocupados. Eu estava um
caco, e com medo de ter uma contração “daquelas” ali no meio de todo mundo. Não
tive que preencher ficha nem deixar documento, deixei o Felipe resolvendo tudo
e a enfermeira Gisely entrou comigo no hospital para além da recepção e me deu
apoio.
Eu tinha vontade de chorar, mas não chorei. A dor
agora me parecia inútil, queria poder desligá-la. Na minha cabeça já havia dado
tudo errado, não era justo continuar com essa dor, ela não estava me levando
mais para lugar algum, não havia compensação emocional, nem prêmio no final que
me desse forças, era apenas dor, e ai a dor virou sofrimento.
Eu tinha que
fazer um cardiotoco (exame que avalia o coração e a mobilidade fetal), me
colocaram naquelas camisolas ridículas abertas atrás e me levaram para a sala
de exame, quando entrei vi cerca de outras 5 mulheres grávidas ali sentadas,
nenhuma em trabalho de parto, uma estava tomando remedinho pra cólica, outra
era alarme falso, todas tranquilas. “Oh não!! Elas vão me ver assim!”.
No meio
da minha dor eu estava preocupada com elas, não queria assustá-las com minhas
contrações, com minha dor e meus gritos e desespero, não queria desencoraja-las
de parir. Eu ainda acreditava no parto, eu sabia que eu estava vivendo a excessão, que poderia ser muito melhor. Queria explicar que meu trabalho de parto estava atípico, que
geralmente não é tão ruim assim. Claro, não tinha como explicar, eu só olhei
pra elas e falei “Não se assustem”, devem ter me achado maluca... Sentei na cadeira de cardiotoco e ali
fiquei um bom tempo, a Lara mexia pouco, ou eu já não sabia o que era ela
mexendo. Isso me incomodou. Eu falei pra Gisely que estava preocupada com a
Lara, com o coração dela, com a presença do mecônio; eu estava entrando naquele
modo “apenas tirem minha filha de dentro de mim por que agora é a única coisa
que me importa”.
Meu PD (parto domiciliar) já era, não tinha
volta. A Rosana apareceu e eu choraminguei pra ela “me tira dessa cadeira não
aguento mais”. Eu estava já sonhando com a analgesia. As contrações vinham e eu
tentava aguentar calada pra não assustar ninguém. A Rosana avaliou o cardiotoco
e falou que a Lara estava fazendo DIP II. Isso quer dizer que ela estava com
uma desaceleração tardia (resposta do coração fetal
à hipóxia, que resulta na economia de consumo de oxigênio pelo miocárdio). Isso
é um mau sinal, sinal de que as coisas não estavam bem pra ela. Rosana me
tranquilizou, falou que a ideia dela era tentarmos uma analgesia para parto
normal, mas que com aquele quadro ela já não achava mais uma boa ideia e teria
que ser cesárea. A indicação da cesárea não foi pelo tempo de trabalho de parto nem pela condição da dilatação, poderíamos esperar mais, tentar mais, usar recursos... mas o coração da Lara não estava respondendo bem, a indicação da cesárea foi o batimento cardíaco dela.
Me lembrei da minha ultima consulta
de pré-natal com a Rosana, em que ela me desejou um bom parto e falou que eu
não ia precisar dela mesmo, que eu ia ter um parto lindo em casa. Ah como eu
queria ter tido um parto lindo! Mas que bom que eu tinha uma ótima obstetra, de
quem acabei precisando. Olha só como é a vida...
Uma enfermeira me levou na cadeira
de rodas para o centro obstétrico, eu sentia medo prevendo a próxima contração.
Ser empurrada na cadeira de rodas tendo uma contração definitivamente só não
foi pior do que ter contração deitada na maca que me obrigaram deitar enquanto
me empurravam pelos corredores batendo portas. Eu pedia para pararem enquanto a
contração não passava, mas não paravam. Eu lembrava das cenas das pessoas indo
para suas cesáreas com suas roupas de hospital e toucas na cabeça, chorando
suas cesáreas indesejadas. Eu não chorava, por que será que não sinto vontade
de chorar? – pensava. Estava cansada demais, concentrada em sobreviver à dor da
próxima contração, resignada com a cesárea.
Durante todo aquele dia esse foi o
único momento que me senti agredida de certa forma, as enfermeiras do hospital
me empurrando sem dó, sem acolhimento, apenas cumprindo seu trabalho. Mais um
corpo indo ser cortado, eu era só mais uma. Chegando ao centro cirúrgico
pediram para eu pular da maca pra mesa de cirurgia. Veio uma contração, em meio
a dor eu choramingava “por favor esperem, deixa passar a contração, espera
passar”. Elas pareciam tão impacientes...
Então veio o anestesista, o liquido gelado nas costas, a picada, a dormência.
Alívio, adeus dor, olá cirurgia, a primeira cirurgia da minha vida, ironia...
Eu estava com medo, mas nesse momento você só segue o fluxo dos acontecimentos.
Não há mais o que fazer, eu não era mais protagonista, era expectadora do
nascimento da minha filha, deitada, amarrada na mesa cirúrgica, sabendo que
teria sete camadas do meu ventre cortadas, que não pegaria minha filha no colo, que não teria aquela ocitocina toda; o parto no chuveiro, em casa, ficou tão distante... só me restava aguardar
terminarem com tudo.
A Rosana apareceu, a presença dela
me tranquilizava. Ela falou que ia tentar colocar a Lara no meu colo assim que
nascesse. O Felipe apareceu, UFA! Eu queria ele ali comigo, ele era meu porto
seguro. Achei divertido ver ele todo paramentado, roupa, touca, máscara. Ele
exibia preocupação comigo, e essa preocupação eu traduzia em amor. Ele estava
do meu lado, isso que me importava.
Eu tremia muito de reação a
anestesia raquidiana. Tremia de frio e tremia da descarga de adrenalina (assim
me disse o anestesista que foi muito gentil me tranquilizando). Senti o bisturi
elétrico traçando linhas no meu corpo, senti o cheiro da minha carne, a Rosana
me abria e o assistente fazia pressão no meu fundo uterino, apertava minha
barriga, empurrava a Lara. E meu mundo se resumiu à Lara, eu queria vê-la bem.
Avisaram que ela ia nascer, se o
Felipe quisesse se levantar para ver. Ela nasceu molinha (me disse ele), não me
foi mostrada, não chorou. O pediatra levou imediatamente e começou a aspira-la.
Naquele momento senti as primeiras lágrimas molharem meu rosto, a aspiração, o
que eu mais abomino, na minha filha, minha bebê... Eu via na minha mente a
imagem dos bebês sendo aspirados, não é algo bonito de se ver, queria tê-la
poupado disso. Sinto muito filha... Na minha cabeça passava um estudo que li que afirmava que não se
deve aspirar bebês com mecônio, que o desfecho não melhora... Eu chorei por que
ela estava sendo aspirada e eu não podia tranquiliza-la em seu choro. Claro,
foi um alívio ouvir o choro, o Felipe respirou fundo do meu lado ao primeiro
som que ela fez, como se estivesse trancando a respiração junto com ela. Nossa
filha estava bem!
Ele ficou lá com ela enquanto terminavam de me costurar. Ela ficou segurando o
dedo dele, e tentou mamar o cano do oxigêno, tadinha, era pra estar mamando em
mim. Lara nasceu à meia noite e um (00:01) do dia 02/07/14, e pesou 3,575g. Eu estava com 40 semanas pela contagem do primeiro ultrassom, e com 41+3 dias pela data da última menstrução.
Pediram pro Felipe
sair e avisaram que logo levariam nós duas para o quarto. O Antoninho foi o
hospital que escolhemos pois ele não tem berçário, faz alojamento conjunto, mãe
e bebê juntinhos como tem que ser. Eu considero o berçário uma tremenda
violência e foi um alivio poder ficar com minha filha o quanto antes, e não me
separar mais!
A Lara havia parado de chorar,
estava no berço aquecido na porta ao lado. Eu estava com um misto de emoções,
queria muito vê-la, pegar nela, conhecer seu rostinho, ainda não tinha visto
nada. Ao mesmo tempo estava tão exausta, tão cansada, tão acabada física e
emocionalmente, e meu corpo tremia tanto, que cheguei a pensar ser um alívio
não ter que segurá-la naquele momento. Eu só queria apagar, desligar, dormir.
Sei que muito dessas sensações tem relação com a medicação que nos é aplicada
na anestesia, mas é algo estranho de se sentir após desejar um parto domiciliar
e terminar dessa forma.
Assim que foi possível a Rosana
conseguiu ir lá busca-la e fazer nosso primeiro contato pele a pele, ainda na
primeira hora de vida dela! Foi muito gentil da Rosana lembrar como isso era
importante pra mim, para um nascimento humanizado. Ela desenrolou a Lara,
terminou de tirar os campos cirúrgico de mim, e a colocou peladinha no meu
peito. Foi muito bom! São pequenos gestos que fazem toda diferença e ajudam a preservar a memória positiva do dia do nascimento.
Como o pediatra estava com pressa
em leva-la ao nascer, não foi possível esperar para cortar o cordão umbilical,
mas a Rosana fez uma ordenha do cordão, levando mais sangue para a Lara, foi
algo positivo! Fui respeitada ao pedir que não aplicassem o colírio nela, no
dia seguinte inclusive uma enfermeira do hospital me elogiou pela consciência
de recusar o colírio pois era desnecessário.
Não consegui amamentar ela, a
anestesia me impedia de levantar, ela não conseguia pegar o seio comigo
completamente deitada, foi frustrante. Estávamos cansadas e dormimos e ela só mamou
de manhã (o que deixou o pai preocupado), uma pena... As pessoas no hospital
foram muito gentis conosco, eles incentivam muito o aleitamento materno.
Algumas enfermeiras foram de grande ajuda para mim (só me recordo do nome da Rose) durante os desafios dos
primeiros dias de amamentação, só tenho elogios a elas!
Considero que nossa estadia no
hospital de certa forma fez bem para nós três, eu gostava das noites no
hospital em que era apenas eu a Lara e o Felipe, para mim era como se esses
momentos reforçassem nossa união como família. Com certeza essa experiência
toda nos transformou muito.
Hoje, mais do que nunca, não
entendo como alguém escolhe passar sem necessidade por uma cesárea. Não entendo
como alguém pode achar que sua cesárea foi “ótima”. Necessária, sim, talvez; mas
ótima?! Eu odiei tudo aquilo, a passividade da situação, a frieza do ambiente.
A recuperação foi “boa” (o que quer dizer que me recuperei sem complicações),
mas foi horrorosa. Por dias me senti atropelada. É horrível ter que ficar
tomando remédios para dor, andar curvada, sentir receio dos pontos, o ventre
cortado... Tudo doía, sentar, levantar, caminhar, deitar de lado (não vou nem
falar de tossir, rir e espirrar, pois isso sim dói!) Não acredito em quem diz
que não sentiu dor no pós cirúrgico! Afinal, é uma cirurgia e não um raladinho
no joelho! Com dor e desconforto tomei meu primeiro banho cerca de 16 horas
após a cesárea. Comer e executar funções básicas, tudo era difícil e
requisitava a ajuda dos outros. É difícil ficar bem para cuidar de um recém
nascido após uma cesárea. Que bom que ela existe, mas como alguém escolhe
passar por isso?! Eu tive um trabalho de parto atípico, longo e extremamente
doloroso (não precisa ser necessariamente assim), e mesmo assim, preferia outro
trabalho de parto a outra cesárea!
Me fica um pingo de frustração por
não ter parido minha filha. Queria sentir o expulsivo, queria sentir ela saindo
de mim através do nosso próprio esforço conjunto, queria pegá-la e acolhê-la.
Não foi possível, não foi o que o karma reservou para nós. Sei que o trabalho
de parto não foi em vão e isso me acalenta. Nenhuma “gota” de ocitocina (o
hormônio do amor) é desperdiçada. Certamente a ocitocina que liberamos durante
o trabalho de parto ajudou no nosso vínculo, ajudou na decida do leite, a
estarmos preparadas. No segundo dia no hospital eu já tinha leite -- é por que
passei pelo trabalho de parto! Minha filha nasceu quando ela estava pronta,
quando ela quis, não foi arrancada de mim antes da hora. Não me arrependo do
que vivi e do que planejei, e faria tudo outra vez.
No dia que a Lara nasceu os Ipês rosas do hospital estavam todos em flor. Um dia lindo para se nascer! Agora eu precisava me curar e me preparar para os novos desafios da maternidade. A Lara é linda, olhou em meus olhos assim que consegui sentar para segura-la. Nos conectamos e não nos largamos mais, e o amor só transborda.
Decidi não cultivar sentimentos de
culpa ou fracasso. Quando uma mulher consegue parir as pessoas a congratulam
com adjetivos positivos sobre como ela é forte, empoderada, parideira... Teria
sido eu fraca? Teria meu corpo falhado? Eu tinha algum defeito que me impediu
de parir? Tinha alguma trava emocional que não soube identificar? Toda minha
experiência era invalida porque terminei em cesárea? Não! Eu não ia entrar
nessa armadilha emocional. Eu sabia que todos estariam lamentando a minha
cesárea; nós ficamos tristes mesmo pelas cesáreas alheias, ainda mais quando é
de uma amiga que queria muito parir. Mas eu só queria agradecer, agradecer a
experiência vivida, o aprendizado, a existência da cirurgia quando necessária. Além de qualquer lamentação, queria comemorar a chegada da minha filha!
Sim, eu acredito que o aspecto
emocional é extremamente relevante num trabalho de parto (e interfere na produção hormonal). Mas o parto é também
um evento biológico, físico, social, espiritual... Assim como a mulher não é uma máquina que dilata e expele bebês, também considero um erro atribuir tudo e qualquer coisa a algum fator emocional, é também um reducionismo. Vejo isso como mais uma forma de culpabilizar a mulher (o que é diferente de responsabilizar). Claro que o emocional interfere, mas todos os dias mulheres empoderadas ou não dão à luz a seus bebês nas mais diversas situações. Mulheres com medo e em situações extremamente desfavoráveis, tem seus filhos de parto normal, pois o parto é muito mais forte, e o corpo trabalha para parir. É claro que hoje, olhando em
retrospectiva, eu faria algumas coisas de forma diferente durante meu trabalho
de parto, mas não acredito em apontar fatores culpados, não acho que fatores
isolados teriam o poder de mudar meu desfecho. Aconteceu o que aconteceu. Eu aceito.
Vivi um pouco dos dois mundos. Não
pari, mas tive um quase parto domiciliar. Não queria uma cesárea, mas hoje sei
o que é passar por uma. Talvez alguns gostariam de me apontar dedos e dizer “tá
vendo, fica defendendo parto em casa, e acabou precisando de uma cesárea”. Mas
o que aconteceu comigo só reforça a segurança do parto domiciliar. Ter uma
equipe competente te avaliando e assistindo faz toda a diferença, ter um bom
plano B com médico de backup é essencial! Desde começarem a perceber a
taquicardia na Lara, até o nascimento dela, três horas se passaram. Deu tempo
de avaliar, pensar, dirigir até o hospital, internar... A maioria dos
“problemas” não acontecem de uma hora pra outra, e uma boa equipe pode avaliar
e traçar um plano de ação, seja intervir em casa, seja a necessidade de
transferir. Parto domiciliar bem assistido é seguro, e a meu ver minha
experiência demonstra isso. Só tenho gratidão por todos que estiveram comigo, tive uma equipe maravilhosa (enfermeiras obstetras, médica obstetra e doula), e o apoio de quem eu amava!
