Um gato e uma menina que me ensinaram sobre aceitação, desapego e veracidade.
Eles chegaram, os 4 irmãos, e logo viraram a novidade da
casa.
4 gatinhos de 3 meses, sapecas, dóceis, lindos. Lara se encantou. “Posso ficar
com o amarelinho mamãe?”. Eu deixei. Na verdade eu sempre quis ter um gato,
desses que ficam dentro de casa, dormem no nosso colo, nos fazem companhia no
sofá. Quando criança era comum eu resgatar gatos na rua e levar para casa, mas nunca podia ficar com eles. Frequentemente as "visitas" ficavam por uns dias, eu cuidava e achava um lar para eles. Continuei
fazendo isso até a vida adulta, mas nunca tinha tido um gato para chamar ‘meu’.
Aquele loirinho de olhos amarelos nos conquistou! Lara o
amassava, beijava, apertava, dizia que amava. Chegava da escola e já ia
perguntando “cadê o gatinho”. Quando o via sorria e dava pulos de alegria. Eu
até tive que incentivar ela a dar um carinho extra pro cachorro, pra ele não
ficar de escanteio. O gato era tudo! Com certeza seria um
companheiro para nós!
Nosso coração, meu e do meu marido, pesou de tristeza, o gato teria que ir
embora. “Mas e a Lara?”. Tínhamos
medo da decisão, de contar pra ela, de magoá-la. Que arrependimento ter ficado com o gato! Os outros 3 foram
com facilidade, mas agora ela se apegou ao “dela”. Como lidar com isso? Como
evitar que minha filha sofra? -- Quando
somos pais, queremos proteger nossos filhos do sofrimento. Sentimo-nos culpados
por agora fazer ela passar por essa perda do gatinho.
Mas tudo na vida é aprendizado, e eu decidi encarar mais esse. Quando tempos atrás
escolhi fazer um desmame noturno, o fiz pensando que eu precisava dizer SIM
para mim, e que isso implicaria em alguns NÃOS a minha filha. E ao fazer isso
eu também estaria ensinando ela que ela também tinha o direito de dizer não ao
que ela sentia que passava do limite dela.
Com o gato me senti na mesma situação. Eu não podia viver doente por causa
dele, então mesmo que fosse dolorido para ela, eu precisava tomar essa decisão,
e tentar transformar isso num aprendizado.
Muitas vezes nos deparamos com situações que remontam à nossa infância. Quando
eu tinha 5 anos nós cuidamos de uma gatinha perdida durante 1 mês, eu me
apeguei muito a ela, e um dia, voltando da casa da minha avó, cheguei em casa e
ela não estava mais. Meus pais haviam doado ela, e por anos aquela memória me
machucou. Então eu sabia que a primeira coisa que eu precisava fazer era
permitir que a Lara participasse da despedida do gato.
Preparei o terreno por uma semana. Expliquei para ela o que era alergia, e que
com a mamãe doente a mamãe não conseguia brincar com ela, que a mamãe ficava
fraca, que não era legal ficar doente. Expliquei que era o gato que me deixava
doente, mas que ele NÃO tinha culpa disso, que era um gato bonzinho e amado.
Então um dia tomei coragem e expliquei que o gato teria que
ir embora, que ele ia morar em outra casa, e outras pessoas muito legais iam
cuidar dele. Contei que na outra casa haveria um menino da idade dela que ia
brincar com o gatinho, e eles seriam felizes juntos.
O semblante dela mudou, ela parou pra me ouvir com seriedade. Ela entendeu a
veracidade das minhas palavras. Desabou em um choro de lágrimas e soluços no
meu colo. “Eu gosto muito do gatinho” – “Eu sei filha, eu sinto muito” – “Mas e
se ele morar lá fora com o cachorro?” – “Mas e se você for num médico?”. E
chorava!! Fiquei com o coração pequenininho, no meio do choro ela ainda tentava
buscar argumentos que me convencessem que era possível ficar com o gatinho. Foi
um choro sentido, por mim, e principalmente por ela, mas era inevitável, só me
restava acolher. Mais tarde, no mesmo dia, ao sair de casa ela encontrou o
gatinho e exclamou “oooownnn gatinhooo” e pegou ele no colo e abraçou.
Nos dias que se seguiram eu a lembrava as vezes que logo o
gatinho iria embora, para um lugar onde cuidariam dele, igual aconteceu com os
irmãos dele. Ela ficava triste por um momento, e passava.
Algumas pessoas preferem inventar histórias sobre o que acontece, histórias que
amenizam a verdade, tentando proteger a criança. Mas eu acredito que as crianças
percebem, é melhor falar a verdade,
mesmo questões dolorosas, como a morte por exemplo. Crianças não precisam de
grandes explicações nessa idade, mas precisam da nossa veracidade e
acolhimento, e eu poderia dar isso a ela. Seria muito mais complicado elaborar
uma fantasia para o sumiço do gato, e eu sabia, por experiência própria, que
isso geraria um vazio não finalizado no coração dela.
Combinei com quem ia adota-lo que eu o levaria junto com
minha filha, pois ela queria ver onde ele ia morar e eu achava importante essa
despedida. Ela estava preocupada “o menino que vai ficar com ele não vai saber
que o nome dele é Arthur!” – “A gente vai lá contar pra ele Lara”. E assim
procedemos. Não fiz disso um grande evento, mas também não tratei como uma
eventualidade. A preparei para partirmos e entramos no carro. Eu, ela e o
Arthur, que se soltou da gaiolinha e acabou indo solto no carro.
Como todo gato, ele odeia andar de carro. Miava desesperado, olhava pela
janela, miava um miado choroso. Lara estava curiosa com a situação, observava
atentamente o comportamento dele, e fazia carinho nele quando ele se
aproximava. “ôoo Arthur não precisa ficar assustado" - ela o consolou “... não precisa ter medo,
você vai morar numa casa legal, vão cuidar bem de você lá”. Meus olhos
encheram-se de lágrimas. Quanta sabedoria infantil! Senti tudo que ela, no auge
de seus 3 anos e 3 meses, me ensinou sobre desapego, sobre despedidas, sobre a
importância de falarmos sempre a verdade.
Foi importante os dias de preparação, o choro, o luto
sentido. Houveram vários momentos de choramingo dela “eu vou sentir muita
saudade dele” L.
Ao entregarmos o gatinho para seu novo dono ela espontaneamente falou “Oi , Eu
sou a Lara, esse é o Arthur, ele é muito bonzinho”. Ficamos um pouco por lá e
ao sairmos do apartamento ela simplesmente soltou de longe um “Tchau Arthur” e
voltamos para casa. Todo aquele drama que eu temia não aconteceu.
Nesse dia eu reforcei em mim a convicção da importância de
nunca ludibriarmos as crianças com meias verdades ou histórias maquiadas para
amenizar um medo NOSSO de magoa-las. De forma infantil podemos transmitir a
verdade, e aprender com elas sobre essa capacidade incrível que elas têm de
compreensão e adaptação.
Aprendi que meu medo de partir o coração dela ao fazer uma
escolha por mim, era mais um medo meu do que um problema real. Nas escolhas
difíceis surgem grandes aprendizados. Teve choro, mas teve muito crescimento e
carinho, e assim nossas crianças crescem se sentindo respeitadas.
Antes eu me arrependia de termos acolhido o Arthur, hoje
vejo como um capítulo necessário no nosso aprendizado. Obrigada Arthur pelos 4
meses que passaste conosco! Você foi muito amado pela Lara!
Merece um vídeo sobre o tema! <3
ResponderExcluir