quinta-feira, 30 de março de 2017

O silêncio das doulas

Uma doula ao atender um parto está o tempo todo fazendo escolhas. Como ajudar mais? Como atrapalhar menos? Na maioria das vezes a gente sente, está no ar, está no silêncio, nas expressões faciais, nos murmúrios e gestos. Não está nas palavras.

Optamos por apagar uma luz, por sugerir ou não uma posição, por massagear ou não durante uma contração. Estamos o tempo todo sentindo e avaliando, observando amorosamente como deixar a gestante mais confortável, ou diminuir alguma interferência. Um suor na testa para secar; um gole de água para ajudar a tomar; um sorriso, um gesto ou simplesmente cuidar do “resto” para a mulher poder ficar em paz em seu trabalho de parto, sem ter que atender outras demandas, responder perguntas, se preocupar.

Doula é apoio, é apoio quando aquela mulher, de pé, se depara com uma contração que toma todo o seu corpo, e estando de pé às vezes não consegue uma posição a tempo -- antes da contração a preencher por inteiro. A doula dá a si mesma, seu corpo de apoio, sua mão para manter o foco, seus ombros para segurar. “Aqui estou”, e a mulher pode se entregar à onda que a atravessa.

As vezes queremos ajudar, e na ânsia de incentivar atrapalhamos. O que dizemos marca, pode tirar o foco, gerar culpas. É um comentário mal colocado que remete a uma memória ruim, uma palavra mal usada que lembra sentimentos de fraqueza; ou o contrário. Palavras são carregadas! Também podem gerar presença, conforto. Incentivo alegre pode dar força, torcemos e rimos a cada contração mais dolorosa... ôoo dorzinha boa! “Era isso que queríamos não é mesmo”? E um sorriso lembra a mulher que sim, era aquilo mesmo que ela queria, sim que dor boa e bem vinda!

Com o tempo tenho aprendido a ser cada vez mais silenciosa. É tentador o risco de cairmos em clichês. Ocasionalmente podem até ajudar, mas muitas vezes só irritam e tiram a concentração. A doula precisa adivinhar, captar no ar, tentar acertar (e nem sempre acertamos). É fácil transformar um atendimento a um parto em uma torcida de “força você consegue” “é uma contração a menos” “chama seu bebê” “se entrega”. 

Difícil é calar, é permitir dar vazão pra tudo aquilo fluir sem interferência -- não apenas das intervenções do médico, mas até mesmo das interferências de “vamos fazer isso” “vamos fazer aquilo”. Perguntam-me se faço acupuntura durante um trabalho de parto: raramente. Uma mulher parindo não precisa de tratamentos, ela só precisa ser deixada parir.

Trabalho de parto é muito delicado. Podemos dizer palavras de incentivo, podemos ser leves e tirar algumas risadas e ajudar a descontrair o ambiente, podemos ser firmes na hora que bate aquele medo. Mas muitas vezes somos silêncio que abraça. E ao não fazer nada, permitimos que a mulher possa ser tudo, pois o parto não é sobre nós, é sobre elas, é sobre aquele bebê, aquela família. É muito mais sobre saber ouvir do que sobre saber falar...

Somos, as doulas, vela acessa na escuridão. Não somos sol. Sol é a mulher parindo, ela só precisa descobrir-se sol. A doula é vela, tímida, ilumina mas não aponta o caminho igual lanterna, não fala “é por aqui”, apenas sugestiona, dá a mão, pergunta “quer ir junto?”. A doula é vento que sopra as nuvens pro sol brilhar. E como brilha! E Raia o dia, chega a luz, vem o bebê iluminar. E a doula se recolhe, e continua apoiando.

quarta-feira, 15 de março de 2017

32 meses de entrega - Relato de Desmame gentil!

Mais de 2 anos amamentando, 6 meses tentando desmamar. Um desmame gradual que deu certo!


Quando meu parto domiciliar terminou em transferência e cesárea, eu me apeguei à amamentação como uma forma de me assegurar que “sim meu corpo funciona”, e deixar a frustração da cesárea pra elaborar depois. Sempre achei que ia parir e amamentar – minha mãe me amamentou até 2 anos e meio e eu não tinha dúvidas dos enormes benefícios do leite materno!


Estava munida de todas as informações, e zero experiência prática pessoal. Mas tudo bem, entre idas e vindas me entreguei por completo à livre demanda, sem crises de “mamou muito tempo”, “mamou rápido demais”, “tirou soneca longa”, “mamou de hora em hora”, eu aceitei que cada dia seria um dia, e cada dia eu ia conhecer o que minha filha precisava e o que ela estava se tornando. Amamentação foi cura para mim, de uma cesárea indesejada virou uma hiperlactação, com peitos jorrando leite e doações de 2 litros por semana para o banco de leite da cidade.


A amamentação seguiu tranquila durante todo o primeiro ano, exclusiva até o 6º mês e em livre demanda até 18 meses. Foi aos poucos que fui percebendo que eu demorei demais pra regular a livre demanda, não por ela, mas por mim, que estava ficando muito cansada das mamações constantes, bicadinhas de segundos, interrupções a toda hora, agarramentos da rua, no ônibus, no consultório, toda hora. Eu estava cansando: mandei ela pra escola, 4h por dia.


Quando a buscava ela queria mamar, loucamente, na porta da escola, dentro do carro antes de voltar pra casa, no ônibus, sentada na calçada com minha bicicleta encostada no meio da rua. Era adaptação, fui deixando. Em casa continuava aquela ‘mamação’ de cafezinho da tarde, toda hora, self-service.

O Fim da Livre demanda

Resolvi começar a regular, primeiro com a mamada pós escola “só quando chegar em casa”. Não foi fácil. Foi muito difícil na verdade, levou dias, semanas, mas “pegou”. Ela não pedia mais pra mamar assim que me via, aceitava esperar. Mas era botar o pé em casa que eu não podia fazer mais nada, nem ir ao banheiro, era sentar no sofá, e amamentarrrrrrrrr. Era nosso momento, eu amava aquele carinho, aqueles olhinhos felizes dela me observando enquanto mamava.


Ela já tinha 20 meses e eu começava a cogitar o desmame noturno (método gordon, gentil), eu já começava a pensar em desmame total. As vezes parecia que ela voltava a ser bebezinho, acordava toda hora, dormia grudada no peito, não me soltava por nada. E tinha o troca troca de peito, uma bicadinha em um, uma bicadinha no outro, em um, no outro, toda hora, eu entortava as costas pra me torcer por cima dela pra ela alcançar o peito “de cima” (amamentando deitada de madrugada na cama). Não há costas e sono que aguentem.

Eu já estava tentando há meses a técnica do dedinho, de soltar o peito da boca, de sair, de voltar, de sair, voltar, até a criança desassociar dormir com o peito na boca, pelo menos.

22 meses, perturbação da amamentação. Eu estava um caco de sono, exausta de amamentar, dormir picado. Irritação para amamentar a noite, irritação com as bicadinhas durante o dia, as mamadas sem motivo. A noite era pior, eu queria fugir, arrancar meu peito dela, sair correndo. Eu aguentava, eu sofria, eu mordia a almofada, eu ficava agoniada, angustiada, querendo ser largada, com “gastura” dela ali me sugando, não me deixando sair. Era muita irritação, era sofrimento, sentimentos ruins, vontade de chorar. Isso tem nome: perturbação da amamentação. Eu era aquela cadela que foge dos cachorrinhos que correm atrás dela pra mamar. (vídeo com maiores detalhes https://youtu.be/xfqZSeYQ4wY)

Tentativas de desmame diurno e noturno - Frustração

Não estava dando conta de recusar o peito a noite, decidi regular o do dia. Desabafei, conversei, pedi ajuda pras amigas. Vamos acabar com a livre demanda, antes tarde do que nunca! E assim começou “Quero mamar” – “ah não vem cá vamos tomar esse suco olha que gostoso!”; “quero mamar” – “opa opa to levantando, vem aqui brincar com esses bloquinhos vamos montar uma torre”; “quero mamar” – “ta com fome filha? Vamos comer tal coisa? Hmm olha que gostoso”; “quero mamar” – “quero mamar” – “quer mamar é? Ahh vem cá que eu vou te fazer cosquinha kkkk” .. e ela caia na gargalhada. Claro eu intercalava tudo isso com momentos que eu aceitava oferecer o peito. Comecei aos poucos a regular os horários, foi tudo muito experimental, natural, não forçado, foi rolando, com altos e baixos. Eu conversava muito, dizia que não estava na hora de mamar. Às vezes ela aceitava, às vezes ficava furiosa e tentava arrancar minha roupa. Tive momentos de desespero, muitos. Tive momentos de “dá esse leite com toddy pra ela mesmo e dane-se minhas convicções, contanto que ela não queira mamar, aceito qualquer coisa, faço qualquer negócio, me salva desse martírio!”.

Aos 2 anos de idade ela já não pedia mais para mamar durante o dia. Apenas ao acordar e para dormir (e de madrugada, as vezes mais de 1x). Ter tirado a livre demanda me fez sentir que estava voltando a ser dona do meu corpo, a perturbação passou, amamentar não era mais sofrido a noite, pois não me sentia sem autonomia durante o dia. Aliviou demais! Mas o sono picado persistia.

Então depois de 2 meses de sucesso da retirada da amamentação diurna eu tentei fazer um desmame noturno gentil (Livro “soluções para noites sem choro” -- consolando o bebê e oferecendo outras formas dele pegar no sono, conversando, indo aos poucos, explicando, mas retirando a mamada de quando ele acorda de madrugada). Eu amamentava ela para dormir e quando acordasse eu explicaria que o mamá está dormindo, que não tem mais, mas assim que voltasse a ser dia ela poderia mamar ao acordar. Não deu certo, foi horrível, teve muito sofrimento, teve choro inconsolável (no meu colo, mas partiu meu coração e passei a pensar que estava errado fazer aquilo com ela, que se haveria sacrifício, seria meu, eu podia aguentar mais um pouco). Eu tinha escutado e lido muitas historias de sucesso de desmame noturno, eu precisava dormir, eu tinha atingido um limite. Mas após 2 noites praticamente em claro, dando apoio físico e emocional pra minha filha, sofrendo, eu não aguentei a exaustão e na terceira noite eu sucumbi e cedi à facilidade de amamentar ; chorando desisti do desmame e pedi perdão pelo que eu tinha feito ela passar em vão. Tinha dado errado. Ela me agarrou como um pirata que vê um pote de ouro. Ela mamou loucamente, soltou o peito e falou “agora estou feliz”, como que me agradecendo por deixá-la mamar. Foi horrível!  (relato detalhado do desmame noturno em vídeo https://youtu.be/L_yceGTUNxE)


Após a tentativa frustrada de desmame noturno ela “regrediu”. O desmame diurno que estava um sucesso foi por água abaixo. Pareceu-me que ela sentiu tanto medo de perder seu precioso mamá que ela voltou a pedir para mamar durante o dia, como que para se assegurar que ele ainda estaria ali. Ela voltou a mamar toda hora, eu estava me convencendo que não ia conseguir nunca.
.



O Início da era “Minha filha dorme a noite toda”

Impressionantemente após 1 mês da tentativa de desmame noturno ela passou a dormir a noite toda, espontaneamente. Um dia dormiu, e no seguinte, e no seguinte, sem eu ter feito nada. Mas agora eu tinha voltado a amamentar durante o dia, poucas vezes, reguladas, mas ela voltou a pedir com mais insistência. Um passo para frente, dois para trás.

2 anos e 5 meses, viagem de férias, calor, mudança de ambiente. SOCORRO! Ela quer mamar toda hora, sou um peito ambulante novamente, ela não pode me ver que me agarra, ela não quer comer, ela não quer dormir, ela só mama, vou definhar amamentando!


2 anos e 6 meses: agora chega! Que venha o desmame diurno novamente! Ela já dorme a noite, perfeito então, vai mamar antes de dormir e ao acordar, é tudo que eu quero! É fácil por ela pra dormir amamentando, é cômodo, assim será, agora só preciso conseguir tirar durante o dia novamente.

Não deu certo. Ela não vai mais pra escola, ela passa o dia comigo, o dia todo, o dia inteiro. E a soneca diurna? E agora? Ela quer mamar, eu aceito, ela não me solta. Não me solta por nada, grudou, cerrou os dentes, não deixa eu sair, “to presa!!”, 1h presa na cama, as vezes sem almoçar, centenas de coisa pra fazer, minha única horinha sem ouvir “mamãe” a cada 2minutos, sem ser interrompida em tudo que preciso fazer, eu só queria essa horinha, a única do dia que é só minha... (se você que está lendo é mãe de bebezinho e ainda AMA amamentar, lembre que eu era apaixonada por esses momentos também, mas o bebê cresce e a gente muda!) Ela não me larga, nem com reza braba, não larga. Se tento levantar ela acorda, começa tudo de novo. Dorme, tento levantar, acorda, dorme, dedinho na boca, não solta o peito, não soltaaa.. ME SOLTAAAAA! Angústia.... não aguento mais. Chorei, amamentei chorando, primeira e última vez. Decidi que ela ia tirar a soneca do dia balançando na rede, vendo TV que fosse, mas eu não ia mais deitar pra amamentar de dia.

“Mas e agora, vou amamentar até a faculdade? É isso, não tenho mais esperança.” Quando me falavam em criança que largou o peito sozinha, que aceitou facilmente parar de mamar, eu ria por dentro “isso não existe, não é possível!”. Eu comecei a achar mesmo que ia ser aquelas lutas difíceis, aquelas coisas complicadas de ‘tirar’. Aquele hábito que se eu deixar vai perdurar até os 5 anos! Eu estava muito cansada, e com o fim do puerpério estava precisando me ‘devolver’ pra mim mesma um pouco.

Adoeci, fiquei doente mesmo, fui parar no hospital. Passei o dia internada, marido precisou me ajudar, a bebê-criança ficou com a avó. E assim foi! Primeira noite dormindo na casa da avó, primeira da vida, primeira sem mim (e sem ter sido por escolha minha)! Dormiu, dormiu bem, entendeu o que foi explicado, aceitou a situação. Abriu o precedente. Meu deus ela dorme sem peito! 2 dias depois a doença deu rebote, cai de cama de novo, e lá foi a criança-bebê dormir longe de mim, agora na outra avó. Genteeeee, ela consegue, ela dorme! (relato detalhado em vídeo https://youtu.be/hH-ITSPvmQ8)


O Começo do fim

A partir desse momento ela passou a dormir 1 noite por semana na casa de uma das avós.  Minha produção de leite foi decaindo, e eu ia sentindo que tinha menos leite (o peito esteve ‘murcho’ desde os 12 meses dela, mas agora estava diferente). Tinha leite, ela mamava antes de dormir e ao acordar (vale lembrar que a maior parte do leite é produzida durante a mamada, o peito não precisa ficar cheio) mas a sensação não era mais de murcho, era de estar secando mesmo, não sei explicar.

Fui conversando com ela que o mamá estava acabando, que só tinha um pouquinho. Ela pedia “quero mamar só um pouquinho”, e ficava feliz que eu permitia, mas foi aprendendo a soltar. Eu conversava “vou te dar, mas o mamá está acabando filha, mama um pouquinho e depois solta tá”. Ela mesma notou que não saia mais tanto leite, trocava mais rapidamente de um peito pro outro. Às vezes ela pedia para ver, para fazer carinho no meu peito ou dar um beijinho. Às vezes ela pedia “colinho” e não mais “mamá”. Eu notei que ela foi mudando. Achava graça quando ela pedia “deixa eu ver que o mamá ta acabando?” E pedia para eu apertar como se estivesse ordenhando, e não saia mais gotinhas brancas (pois eu apertava errado de propósito). Ela foi se convencendo.

Então certa ocasião, quando ela já estava bem acostumada com a noite nas avós, ela dormiu duas noites seguidas lá, longe de mim. Depois de umas 40 horas sem amamentar meus peitos encheram! Encheu, começou a empedrar. Eu nem acreditava! Não sentia isso a mais de um ano e meio! Fiz uma ordenha de alívio e fui dormir. Busquei-a na manhã seguinte, e apesar dela ter dormido bem a segunda noite, acordou mal humorada, perguntando por mim e querendo mamar. Ao chegar lá, eu deixei. Continuamos com a rotina de mamadas diurnas ausentes ou super espaçadas , e eu continuei sem saber como desmamar, imaginando por quanto tempo isso ia durar.

.
O desmame

Minha filha estava com o costume de acordar as 6 da manhã, vir para minha cama (ela dorme no quarto dela), e pedir para mamar. Ela ficava me “mamando e mastigando” até as 7h e eu não conseguia voltar a dormir. Até que num sábado, 3 de março de 2017, isso me incomodou tanto que chegou a doer. Parecia-me que ela sugava um peito sem leite. Ainda saia umas gotas se eu apertava, mas estava me machucando. Eu não aguentava mais. Foi ali, sendo mastigada, sem conseguir voltar a dormir, em posição torta, com o peito doendo, foi ali que eu bati meu martelo interno “CHEGA!”.

Não teve planejamento de desmame, ele já vinha sendo orquestrado a 6 meses lembra! Eu não desmamei por nenhum “motivo” – desses que a gente inventa que é motivo, minha filha sempre mamou muito e comeu muito bem (desmamar não faz a criança comer melhor gente!); eu não vejo nada de errado em amamentar uma criança de 3 anos; eu não tinha que tomar nenhuma medicação proibida (a maioria dos remédios são compatíveis com amamentação, pesquisem e não caiam em desmames furados!). Meu motivo foi amor próprio, fui eu. Eu cansei, eu cheguei ao meu limite. Eu queria abrir as asas e voar pra longe do puerpério, só faltava desmamar.

Eu estava a meio ano ensaiando um desmame gradual. A meio ano esperando o momento certo, e foi, assim, no impulso daquela manhã. Ela dormiu na avó a primeira noite e me preparei para a segunda noite. Agora contarei como foram as noites, pois até o 8º dia notei fatos relevantes para comentar, afinal é um processo o desmame, e não um corte. Se você está ensaiando o desmame gradual e quer saber como foi, pode ser válido ler. Mas lembre que essa foi nossa vivência, cada família encontrará suas formas de lidar e suas próprias estratégias!

1ª noite dormindo em casa, com a mãe, sem mamar: Fizemos nosso ritual de sono de sempre: Leitinho, dar um beijo no papai, escovar os dentes, pijama, ler o livrinho de dormir deitar e... sem mamá! Falei “Filha, lembra que o mamá tava acabando? Pois é! Agora acabou mesmo! Não tem mais leitinho, você tomou tudo! Mas tudo bem né, mamãe vai fazer um carinho especial em você pra te ajudar a relaxar”. (Me veio na hora essa ideia). Peguei um creme hidratante e fui passando por todo o corpinho dela, fiz uma massagem relaxante, meio intuitiva, usando algumas técnicas que eu sabia de shantala e de tuiná (massagem da medicina chinesa). Ela aceitou, ela gostou!

Então deitei ao lado dela, como sempre deitava para amamentar, e falei que agora ela ia fechar os olhos e dormir e eu ia ficar ali com ela. Eu havia posto uma blusa de gola alta, bem fechada, pra evitar puxações de blusa. Ela pediu pra mamar, eu repeti o que já havia dito. Ela choramingou, não foi um choro desesperado, foi apenas sentido. Apenas de algo que ela queria e não tinha. Ela estava lidando com a perda, e eu respeitava isso. Conversei com uma voz calma e baixa, deitada junto dela. Contei que ela já sabia usar a privadinha, que ela tinha calcinhas muito bonitinhas e que não era mais bebê, e bebês usam fralda. Contei que ela já sabia correr e pular e subir nas coisas, e bebês ficam no colo, não sabem andar... ela não era mais bebê. Comentei todas as coisas que ela pode comer e beber, todos os sucos, leitinhos, sorvetes, iogurtes que ela gosta, e disse que bebês mamam no peito mas não tomam todas essas coisas, e ela não precisava mais mamar. Reforcei que acabou, e que ela havia tomado bastante, e que eu sabia que ela gostava muito, mas que não tinha mais e que estava tudo bem. Ela alternava chorinhos sentidos de protesto “eu quero...” com escutar atentamente minha conversa e ir se acalmando. Até que uma hora se acalmou de vez, virou de lado, enfiou a cara no meu peito e não fez mais nada, simplesmente dormiu. Foram 20minutos de conversa pra ela se acalmar, 20minutos de chorinho leve. Ela dormiu a noite toda e veio para minha cama as 6h. “Quero mamar” – Novamente a lembrei que o leite da mamãe havia acabado, mas que eu poderia fazer um leitinho pra ela no copinho. Ela aceitou, tomou e voltou a dormir com facilidade (só fiquei junto). E dormiu até as 7h (e me deixou dormir!)

2º dia – Ao nos dirigirmos para a cama ela perguntou se teria o “carinho especial” novamente. Achei uma graça! Fiz a massagem com creme, repeti a frase explicativa sobre o mamá ter acabado, mas que ela teria a mamãe ali, o colinho e o carinho. Ela deitou e em 10min dormiu. Pediu que eu ficasse com a mão fazendo peso em cima da coxa dela, e só. Porém acordou as 1h da manhã, pediu para ir ao andar de baixo, pediu leitinho, pediu para ver desenho. Como estava tudo diferente pra ela, eu decidi acatar, e botei um desenho bem calmo, baixo e com pouco brilho e falei que ia deixar um pouquinho. Ela não parecia que ia aceitar voltar pra cama e se acalmar sozinha. Ela pediu que eu sentasse ao lado dela, e fiquei, ela se recostou em mim e logo estava ‘piscando’ de sono. Convidei-a para voltar para sua cama, ela aceitou na hora. Subimos as 2h, ela deitou e dormiu (comigo ao lado, que sai logo depois) Acordou as 6h, pediu mamá, aceitou a negativa numa boa, pediu o leitinho. Tomou, dormiu.

3º dia – Igual ao segundo. Novamente pediu para ver desenho por volta da 1h, novamente solicitou o mamá, mas aceitou a negativa e aceitou a proposta de tomar o leitinho. Novamente acordou cedo

4º dia – Pediu carinho antes de dormir. Ficou deitada de lado e fiz carinho nas costas dela até ela adormecer. Se eu parava ela pedia pra fazer mais. Dormiu facilmente, a noite toda, mas levantou as 5h querendo leitinho e despertou totalmente as 6h

5º dia – dia de sonho materno cor de rosa com direito a fogos de artifícios. Ela dormiu bem, sempre solicitando que meu corpo estivesse encostando-se ao dela, mas pegou no sono em 5min. Entrou no meu quarto as 6h da manhã, subiu na minha cama e disse que queria deitar comigo. Aninhou-se entre nós no maior chamego e voltou a dormir, sem mais nem menos. Não pediu nada. Apenas queria estar conosco. Cheirei o cabelinho dela encostado em mim e dormimos mais um pouco todos juntos.

6º dia, caiu a ficha! – Ela pegou no sono com facilidade. Acordou às 5h, veio para minha cama. PEDIU o mamá! Quando repeti que ele acabou ela começou a chorar desesperadamente. Tentei abraçar, acalmar, conversar. Ela chorava, chorava. Pedia novamente, ouvia a negativa, chorava. Chorou mais do que no primeiro dia. Levamos cerca de meia hora pra acalma-la. Senti que foi esse dia que a ficha caiu que eu estava falando sério que havia acabado. Decerto ela achava que era só uma pausa momentânea. Foi o processo de Luto dela, teve tristeza, choro, raiva. Meu marido ficou até com receio de eu voltar atrás. Mas não, o passo havia dado. Conseguimos acalma-la e começamos o dia mais cedo que o previsto.

7º dia – Pediu massagem com hidratante antes de dormir, dormiu de conchinha comigo, pegou logo no sono e dormiu a noite toda até as 7h

8º dia – Ela acordou a 1h da manhã e disse exatamente o seguinte: “Mamãe, quero um leitinho no meu copinho rosa. Mamá não, o mamá acabou. Eu tomei tudo, ta na minha barriguinha”. E fomos lá pegar o copinho dela, que logo voltou a dormir. Chegamos à aceitação!

Considerações finais

Hoje estamos quase fechando duas semanas sem amamentar. Estamos ótimas. Continuo deitando ao lado dela com blusa fechada, mas ela não pede mais, e dorme com facilidade. Ela já tomou banho comigo e se limitou a fazer carinho, não pediu. Meu peito não encheu, nem ficou dolorido. Está tudo normal. Sinto-me feliz pelos 2 anos e 8 meses de amamentação. De muita nutrição, de muito afeto. Não tenho dúvidas que ela se beneficiou muito desses 32 meses de leite materno, é uma garota muito saudável, nunca fica doente. Estou super satisfeita em ter conseguido desmamar de forma gentil e gradual, sem métodos bruscos, sem mentiras. Eu vejo o benefício disso na compreensão dela. E ao contrário do que dizem certas crenças, amamentar por tanto tempo não a tornou uma criança dependente e ‘apegada’ (no mau sentido), pelo contrário, se adapta muito bem à novas situações. No amamentar ela pôde criar a confiança de ter um porto seguro, de poder avançar quando queria explorar e se refugiar quando precisava acolhimento.

Ela assimilou e aceitou que o mamá, tão precioso para ela, acabou. Não houve nenhuma ruptura com a amamentação. Não foi um corte, uma separação. Foi uma transposição do leite dentro de mim para o leite-amor dentro dela. O meu leite não desapareceu, ele apenas se transformou em uma memória de afeto na barriguinha dela, ela tomou tudo!
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...